Topo

De Golpe a Bolsonaro: publicação de livros sobre política dispara no país

Rodrigo Casarin

03/10/2018 10h38

Até a segunda-feira, dia 1º de outubro, 353 livros tinham sido cadastrados na categoria Ciências Políticas da plataforma de autopublicação Clube de Autores neste ano. Isso significa que, somente por meio do Clube, mais de uma obra relacionada à política foi lançada no país a cada dia de 2018. Desde 2015 que o site observa uma ascensão de títulos nessa área, no entanto, nunca em sua história havia detectado tamanho pico de crescimento (veja o gráfico abaixo). Em 2014, por exemplo, ano de nossa última eleição presidencial, contabilizaram 116 inscrições na mesma categoria, praticamente um terço do que temos às vésperas do pleito deste ano.

"Há um espectro temático grande dentro do tema 'política', mas três se sobressaem: livros mais relacionados a ideologias de direita, incluindo obras elogiosas a alguns de seus representantes (36%), livros relacionados a ideologias de esquerda, também incluindo obras elogiosas a personagens representam essa vertente (35%), e livros predominantemente neutros, sobre filosofia política e constituição (22%)", comenta Ricardo Almeida, CEO do Clube, sobre a linha que esses livros costumam seguir. Para exemplificar, cita títulos como "A Liberdade Decifrada", de Dennys Garcia Xavier e Anamaria, "O Dia do Golpe", de Clário Junior, e "É Assim que Eu Voto!", de Carlos Irineu.

Como seria de se imaginar, a maioria dos volumes cadastrados no Clube dialogam diretamente com o atual momento do país – outro exemplo disso é "O Conceito Bolsonariano", de Ângelo Almeida, sobre o candidato que lidera as pesquisas à presidência.

Quantidade de títulos publicados a cada ano, desde 2009, na categoria Ciências Políticas do Clube dos Autores.

Por conta do contrato com os autores, Almeida não abre números de vendas, mas garante que "os livros mais neutros e menos tendenciosos ou apologéticos a qualquer tipo de ideologia são os que têm mais sucesso. Isso inclui, por exemplo, livros como 'Teoria Geral do Estado – o Estado Após o Fim da História', de Genésio Vivanco Sobrinho, professor de Direito Constitucional".

Contudo, escolhendo a opção "mais vendidos" dentre as obras de ciências políticas – o que apresenta resultados que levam em conta toda a história da plataforma –, o leitor se depara logo na primeira página com uma obra como "Os Protocolos dos Sábios de Sião", documento reconhecidamente usado para divulgar mentiras sobre os judeus e propagar o antissemitismo. "Nós não somos uma editora, e sim uma empresa de autopublicação. Isso significa que os próprios autores publicam seus livros aqui diretamente, sem nenhum tipo de intermediação humana. A responsabilidade sobre cada obra é contratualmente exclusiva de cada autor, como inclusive é deixado claro no termo que todo escritor aprova antes de publicar qualquer obra aqui", diz Almeida. Ou seja, é bom que eventuais clientes estejam bastante alertas sobre o que estão comprando.

Voltando à tendência em si, tanto dados específicos quanto a visível quantidade de lançamentos sobre política vindos de diversas editoras também apontam que há uma forte aposta nesse nicho. Na última semana, figurou pela primeira vez na lista dos mais vendidos do Publishnews, site especializado no mercado editorial, em não ficção, o ensaio "Como as Democracias Morrem" (Zahar), de Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, professores de Harvard que partem de exemplos recentes e históricos para mostrar como regimes democráticos definham. Linha semelhante segue "Como a Democracia Chega ao Fim" (Todavia), de David Runciman, sobre o qual falei há pouco aqui no Página Cinco.

Ainda olhando para a relação do Publishnews, nela encontramos "21 Lições Para o Século 21", de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras, sobre o qual também falei), "A Elite do Atraso", de Jessé Souza (Leya), o volume autobiográfico "Zé Dirceu: Memórias" (Geração Editorial), e dois livros de Olavo de Carvalho pela Record: "O Imbecil Coletivo", publicado originalmente em 1996 e relançado neste ano, e "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota", este de 2013. São todos títulos que, cada um com seu enfoque, de alguma maneira buscam trazer explicações, reflexões ou provocações para o nosso cenário.

Novidades nessa área, aliás, seriam suficientes para ocupar algumas prateleiras de livrarias. Só para ficar em mais algumas, da Intrínseca temos "Você Foi Enganado – Mentiras, Exageros e Contradições dos Últimos Presidentes do Brasil", de Chico Otavio e Cristina Tardáguila. Pela Leya saiu o "Guia Politicamente Incorreto da Política Brasileira", de Rodrigo da Silva. A Civilização Brasileira trouxe o oportuno "Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e Seu Projeto de Poder", de Andrea Dip. É da Objetiva o "Mil Dias de Tormenta – A Crise que Derrubou Dilma e Deixou Temer por um Fio", de Bernardo Mello Franco. Já a Globo Livros apostou em "Guerra de Narrativas – A Crise Política e a Luta Pelo Controle do Imaginário", de Luciano Trigo.

Na ficção, de onde costumam vir as melhores pérolas literárias, não é de agora que nossos escritores vêm transformando o momento político em arte – e crítica. No ano passado, por exemplo, Andrea Nunes lançou "A Corte Infiltrada" (Buzz), romance no qual o Superior Tribunal Federal tem um papel central, enquanto Ricardo Lísias se viu diante de um imbróglio judicial por conta do seu "Diário da Cadeia" (Record), assinado por "Eduardo Cunha (Pseudônimo)". Também é do ano passado o "Ninguém Nasce Herói"(Paralela), título urgentíssimo e uma das melhores leituras que fiz neste ano. Já de 2018 mesmo, dentre as ficções que lidam com a política nacional, podemos citar "O Ditador Honesto" (Edição do Autor), de Matheus Peleteiro.

Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter e pelo Facebook.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.