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As ilustrações de Candido Portinari para Memórias Póstumas de Brás Cubas

Rodrigo Casarin

07/08/2019 09h34

No começo da década de 1940, o empresário e mecenas Raymundo de Castro Maia encomendou a Candido Portinari uma série de desenhos inspirados em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", clássico de Machado de Assis. Os traços de Portinari iriam parar num livro feito para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, criada para incentivar a publicação no país de obras feitas com grande esmero, em edições de luxo e tiragem limitada.

"Já comecei a fazer o Brás Cubas. Fiz o plano e estou executando. Em vez de fazer vinhetas, fiz o retrato de cada personagem; ainda faltam alguns. Já gravei uma placa – gostaria que v. a visse, pois creio que progredi muito. Estou respeitando o texto – tenho estudado indumentária. Os retratos estou procurando dar um jeitão de gente que existiu mesmo", contou Portinari em carta endereçada ao amigo Mário de Andrade.

O volume reunindo um de nossos maiores artistas plásticos com um de nossos maiores escritores – o maior, para muitos – saiu em 1944. As escassas cópias logo foram parar nas mãos de colecionadores e as sete águas-fortes (gravuras produzidas com metal) e os 74 desenhos reproduzidos em clichê inspirados na narrativa do defunto autor ficaram praticamente esquecidos ao longo das últimas décadas – veja abaixo muitas dessas ilustrações.

Agora, uma nova edição do clássico lançada pela Antofágica, editora novata que aposta em livros de projeto gráfico, textos de apoio e acabamento formidáveis, não apenas resgata a junção do romance de Machado com as ilustrações de Portinari, mas faz jus à proposta do volume da década de 1940, elaborado para uma entidade que buscava elevar no Brasil o valor do livro enquanto objeto digno de apuro estético, não mera plataforma para textos. As informações acima, aliás, retirei do breve comentário de João Candido Portinari, fundador e diretor-geral do Projeto Portinari, além de filho do grande artista plástico, sobre o trabalho de seu pai baseado na obra-prima.

O volume ainda conta com apresentação da booktuber Isabella Lubrano, do canal "Ler Antes de Morrer", um ensaio sobre "Brás Cubas" assinado por Rogério Fernandes dos Santos, doutor em Letras pela USP, e um perfil de Machado escrito por Ale Santos, escritor de ficção e fantasia afro-americana e pesquisador de narrativas africanas. É desse último o oportuno resgate de quando se iniciou o processo de embranquecimento da imagem de Machado, distorção histórica que começou a ser corrigida com mais ênfase há poucos meses, após a Faculdade Zumbi dos Palmares encabeçar uma campanha que reavê os traços negros do escritor na sua foto mais famosa.

"É uma infelicidade absurda que, no início da República brasileira, a elite intelectual tenha abraçado os ideais eugenistas, teorias sobre a superioridade racial ou cultural de pessoas brancas. Diferente da época em que Machado nasceu, na qual o peso de ser 'mulato' era menor, após sua morte o entendimento era outro. Para muitos, a intelectualidade só seria alcançada por pessoas brancas, e vem do amigo próximo do escritor, [Joaquim] Nabuco, a evidência do embranquecimento de sua imagem", escreve Ale Santos.

Ele recorda que, um mês após a morte de Machado, José Veríssimo publicou no "Jornal do Comércio" um artigo em homenagem ao gênio no qual escreveu: "Mulato, foi de fato um grego da melhor época, pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra". Nabuco não gostou e respondeu: "Eu não teria chamado o Machado de mulato e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese […]. O Machado para mim era um branco". Para Santos, o fato "ainda fala muito sobre o imaginário popular brasileiro".

Veja parte das ilustrações feitas por Candido Portinari inspiradas na história de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (clique nas imagens para ampliá-las):

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"Velório"

"Pita"

"Pirâmides e olho"

"Ossos"

"Óbito do autor"

"O vergalho"

"O primeiro beijo"

"O livro"

"O delírio"

"O alienista"

"Menina rezando"

"Marcela"

"Mão com borboleta"

"Leque"

"Lagarta"

"Garcez"

"Gaiolas"

"Cavalos"

"Baixela"

"Almocreve"

"A ponta do nariz"

"A carta"

"A Bordo".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.