Prisão, perseguição no gelo e… golfinhos: a vida de uma ativista ambiental
Rodrigo Casarin
29/03/2019 10h10
"Ninguém me responde quando peço para ir ao banheiro ou beber água. A fome aperta. A ansiedade também. Muitos pensamentos tomam espaço na minha cabeça. É claro que eu já considerava a possibilidade de ser presa. E, apesar de me encontrar numa situação verdadeiramente horrível, estou disposta a me colocar em risco para dar voz às baleias, criaturas que têm sido mortas por tantas gerações sem a menor compaixão. Numa situação de extrema injustiça, meu coração diz que é preciso fazer uma aposta igualmente extrema. Esse é o meu chamado".
Em São Cristovão, no Caribe, que Barbara Veiga ficou encarcerada por mais de 24 horas em uma solitária. No escuro, cercada por ratos e baratas, aquele não era o primeiro perrengue que passava como ativista ambiental – já havia, por exemplo, sido agredida num protesto contra a produtora de soja Cargill em Santarém, no Pará –, mas era, certamente, o mais assustador. Colocar representações de rabos de baleia em uma praia para se manifestar contra a caça ilegal desses mamíferos que fez com que policiais a levassem à prisão.
Barbara estreou no ativismo em 2006, numa missão com o Artic Sunrise, navio quebra-gelo de 949 toneladas. "Nessa primeira navegação junto ao Greenpeace, aos 22 anos de idade, eu estava prestes a fazer uma descoberta que mudou a minha vida: descobri que, no mar, sinto uma paz inexplicável. A imensidão, o cheiro de sal, os animais que nos acompanham pela água ou pelo ar, tudo isso me toca profundamente. Navegando me sinto em conexão com a mãe natureza, pela qual decidi lutar, disposta inclusive a arriscar o meu conforto e, por vezes, minha segurança".
"Sete Anos em Sete Mares"
O relato está em "Sete Anos em Sete Mares" (Seoman), livro no qual Barbara aposta na forma de diário – nem sempre arraigado à cronologia, ainda bem – para relatar o período da sua vida em que perambulou pelos oceanos do mundo praticando a desobediência civil e a resistência pacífica – sim, Mahatma Gandhi é uma de suas grandes inspirações. Apesar de dias de tensão inerentes ao ativismo fazerem parte da história, a autora apresenta ao leitor um cotidiano bastante corriqueiro.
Quando começa a navegar com o Greenpeace, passa a maior parte do seu tempo em simulações, treinamentos e cuidando do navio. Com pessoas de diferentes partes do mundo convivendo dentro de uma embarcação que atravessa os mares, paixonites e problemas de relacionamento são comuns. Desse dia a dia, Barbara mostra que as contradições também fazem parte dos ambientalistas; primeiro se revolta ao encontrar alimentos vencidos há mais de três anos na despensa ("um absurdo tamanho desperdício de comida, num navio envolvido com o ativismo ambiental"), depois, encasqueta-se com colegas que defendem o fim dos alimentos transgênicos, mas, ainda assim, os consomem.
Envolvendo-se em operações que chegam a custar mais de 1,5 milhão de dólares, servem de reflexão os trechos em que Barbara precisa lidar com o outro lado da história. Se a devastação é inaceitável, como argumentar com aqueles que veem na matança da baleia um traço essencial de sua cultura ou dependem de práticas nada sustentáveis – e muitas vezes ilícitas – para tirar seu ganha-pão imediato, numa realidade que não oferece outras perspectivas de trabalho?
Além do ativismo, Barbara viveu durante algum tempo ao lado de seu então companheiro no veleiro Papaya. Navegando pelo sudeste asiático e por países do Oriente Médio, registra a dificuldade da vida a dois nos mares e arranca risadas com situações de humor involuntário, como quando, passando perrengue por conta da maré arredia, precisa correr atrás de melancias que rolam pelo chão do barco. Nessa parte do livro, belos encontros com golfinhos e arraias contrastam com o medo dos piratas e com a corrupção existente nas áreas portuárias.
Por outro lado – e antes da aventura com o Papaya –, o tédio domina a narrativa quando Barbara fala sobre suas andanças pela terra firme da Europa. São páginas e mais páginas que deveriam ter sido cortadas ou abreviadas e que podem levar o leitor a desencanar do livro. A edição, aliás, poderia ter sido um pouco mais caprichada, o que evitaria algumas repetições ao longo da obra.
Batalha de navios
Mas voltemos à ação. Depois do Greenpeace, Barbara ingressa na Sea Shepherd, ONG que batalha pela preservação da vida marinha com ações diretas para impedir crimes ambientais, utilizando táticas de sabotagem de navios e ofensivas com armas não letais como canhões de água e suas "célebres 'bombas de fedor' – garrafas embebidas em ácido butírico, capazes de empestear o convés de uma embarcação inimiga a ponto de inviabilizar o trabalho da tripulação a bordo".
Em missão na Antártica, a batalha contra navios baleeiros japoneses ilegais rendem as linhas de maior adrenalina da obra. São encontros que acabam com cercos típicos de guerra, perseguições para tentar fazer com que o combustível do barco dos caçadores acabe, investidas com jatos d'água, manobras que exigem apoio de helicóptero e até cenas dignas de um Tom e Jerry no gelo. "Em fuga, demos ao menos quatro voltas ao redor do iceberg, com o navio inimigo ameaçando uma colisão, para nos intimidar", recorda Barbara.
A ativista logo se encontrou como documentarista das missões que participava. Na Antártica, com sua máquina fotográfica em mãos, teve um daqueles instantes que justificam tudo o que viveu. Num bote, contornando outro iceberg, a epifania junto aos mamíferos que tanto defende, agora a poucos metros de distância. "Respiro fundo para não tremer demais, e tiro fotos inacreditáveis de rabos de baleia. Lindas. Como o pôster que decorava o meu quarto na adolescência, dez anos atrás. Nesse dia 24 de fevereiro de 2010, me deu conta de que nasci para fazer isso. Fotografar a beleza da vida selvagem. E não posso mais conceber outra carreira possível para mim".
Das andanças, há ainda uma breve passagem da ativista pela Amazônia, ataques contra fazendas de atum no Mediterrâneo e uma espionagem que fez nas Ilhas Féroe. Nem só embarcada em navios que Barbara vive, no entanto. Formada em jornalismo, já esteve em projetos da Amazon Watch e da Avaaz, colaborou com veículos como BBC e The Guardian e, no Brasil, fez uma série de reportagens para o Fantástico – na Globo, ainda atuou como produtora e diretora do Vídeo Show. Suas fotos lhe renderam, em 2011, um prêmio da revista National Geographic.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.