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O esconderijo onde Adolf Hitler guardava 500 mil garrafas de vinhos raros

Rodrigo Casarin

09/10/2018 10h53

Como o elevador que levava até o local no alto da montanha estava emperrado, coube a um pequeno grupo de militares franceses com certa intimidade com o alpinismo alcançar o Ninho da Águia, esconderijo de Adolf Hitler estrategicamente construído nos alpes alemães. Com o ditador derrotado, queriam ver o que ele escondia naquele lugar tão remoto – as pilhagens de artigos valiosos era uma praxe do exército nazista, então certamente achariam algumas relíquias. No lugar, assim que conseguiram forçar uma das portas travadas, ligaram a lanterna e tiveram a grande surpresa: para onde apontavam a luz, encontravam uma infinidade de caixas e mais caixas de madeira e muitos engradados de ferro. Pelos cálculos que fizeram, estimaram ter diante de si cerca de meio milhão de garrafas dos vinhos mais preciosos da França.

"Havia todos os grandes vinhos de que eu ouvira falar, cada safra legendária", relatou mais tarde um dos oficiais que participaram daquela ação. "Tudo o que fora feito pelos Rothschild estava lá, os Lafites, os Moutons. Os bordeaux eram simplesmente extraordinários". Estavam ainda ali grandes exemplares da borgonha, champanhes de produtores reconhecidos pela excelência, portos raros, conhaques do século 19… Para um suposto abstêmio, era impressionante a quantidade e a qualidade das bebidas que Hitler guardava em sua toca mais remota.

A história de como os nazistas se aproveitaram da invasão à França para pilhar vinhos dos principais produtores do país está relatada em "Vinho & Guerra", dos jornalistas Don e Petie Kladstrup. Publicada no Brasil pela Zahar em 2002, a obra, apesar do ritmo um tanto arrastado em diversos momentos, é valiosa por mostrar um lado muitas vezes ignorado da Segunda Guerra – e que se repete em qualquer guerra onde haja grandes ocupações territoriais: como os exércitos invasores se aproveitam para roubar tudo o que encontram de precioso pelo caminho.

Cientes disso, antes de fugir em busca de abrigo seguro ou se apresentar para servir o exército e defender o território francês, alguns produtores se preveniram e emparedaram parte de suas adegas para esconder as suas melhores garrafas. Tinham inclusive o cuidado de revestir essas paredes erguidas às pressas com teias de aranha e outros "apetrechos" para passar a ideia de que se tratavam de construções antigas.

O Ninho da Águia, hoje um destino turístico.

Nem todo o vinho que ia parar na Alemanha – para regar festas das principais cabeças do partido nazista ou para forrar a adega de Hitler – era exatamente roubado. Enquanto a invasão acontecia, alemães chegaram a sistematizar a importação de vinhos franceses, forçando os grandes produtores a obrigatoriamente lhes vender suas melhores safras – ao menos teoricamente, já que são muitos os relatos de fabricantes que, como forma de resistência, enganavam os inimigos colocando lotes medíocres em garrafas cujos rótulos indicavam possuir verdadeiras preciosidades.

Em muitos casos, no entanto, quem se deu melhor foram mesmo os alemães que estavam no campo de batalha, como mostra o relato tanto simbólico quanto com toques aparentemente fantásticos de um francês de Chantilly que havia ido para o campo de batalha e ficara longe de casa por quatro anos. Quando a guerra terminou, correu de volta ao lar e foi logo conferir como estava sua adega. Ao notar que a porta seguia trancada, empolgou-se. Quando ligou a lanterna, viu que todos os grandes vinhos estavam como ele havia deixado. "Cuidadosamente, puxou uma das garrafas do lugar. Ainda estava arrolhada. A segunda também, e a terceira. Levando-as para a luz, fora da cave, viu que as garrafas estavam todas em perfeito estado. Exceto por um pequeno detalhe – estavam todas vazias", contam os autores, Que prosseguem:

"De fato, soldados alemães tinham arrombado a adega, forçando a porta sem quebrar a fechadura. Devem ter ficado extasiados ao descobrir o que havia lá. Após consumir todo o vinho que podiam, tinham arrolhado de novo as garrafas e posto todas de volta no lugar. Antes de sair, um dos soldados se deu ao trabalho de deixar na cave um bilhete de agradecimento: 'Caro Senhor, nossos cumprimentos. Seu gosto para vinhos é impecável!'".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.