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Engajamento: Temas políticos e sociais se consolidam em livros para jovens

Rodrigo Casarin

07/08/2018 09h24

Em 2008, Suzanne Collins iniciou a série "Jogos Vorazes" (Rocco), distopia que mostra uma nação fictícia em permanente conflito e que virou fenômeno mundial entre os jovens. Em 2010, David Levithan e John Green lançaram "Will & Will" (Galera), best-seller protagonizado por jovens homossexuais. "O Ódio que Você Semeia" (Galera), de Angie Thomas, veio em 2017 e abordava o preconceito racial nos Estados Unidos. No mesmo ano saiu "Quinze Dias" (Globo Alt), de Vitor Martins, cujos personagens LGBTs não eram americanos, mas brasileiros. Ainda no ano passado, Eric Novello lançou o ótimo "Ninguém Nasce Herói" (Seguinte), no qual imagina o Brasil dominado por grupos fundamentalistas (falei sobre ele aqui).

Seja com uma pegada mais realista, seja apostando em um olhar distópico, não é de hoje que a literatura young adult (ou para "jovens adultos") vem apostando em histórias que se aprofundam em temas políticos e sociais – a democracia em cheque, o racismo, a homofobia, a gordofobia… Se o fato em si não é uma novidade, olhando para o mercado dessas publicações podemos afirmar que é uma tendência que tem se intensificado nos últimos tempos e que aos poucos, graças a apostas de autores e editores locais, problemas caros aos brasileiros – ou encarados pela nossa ótica – começam a ganhar força no segmento.

"Há uma grande desesperança geral no mundo e isso tem feito as pessoas voltarem a pensar em como podem participar do processo de mudança. Quando tudo parece funcionar bem, as pessoas se preocupam mais com seu próprio bem-estar, mas este momento tem mostrado que a conta do desinteresse politico chegou para todos de algum modo, senão por dificuldades econômicas, por novas regras e leis que estão contrárias aos seus princípios de parte da sociedade", analisa Pedro Almeida, editor da Faro Editorial, casa que trabalha com diversos livros com personagens LGBTs ou que abordam temas como depressão, suicídio, anorexia e bulimia.

Fernanda Nia.

Distopia carioca

Na 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a principal aposta da Plataforma 21 segue essa linha. Em "Mensageira da Sorte", romance de estreia de Fernanda Nia, até então conhecida pelo seu trabalho com ilustrações e HQs, o carnaval do Rio de Janeiro divide as atenções com protestos contra a AlCorp, corporação que controla o preço de comidas e remédios no país. Para tentar dar um novo rumo para essa realidade, surge o "Departamento de Correção de Sorte", organização secreta que busca nivelar o nível de azar na vida das pessoas, o que se torna uma ferramenta importante para combater a AlCorp e a rede de corrupção e poder que lhe serve de base.

"Todos vimos o que aconteceu nos protestos de 2013 e todos sentimos o que a inflação comeu dos nossos bolsos nos anos seguintes. Sabemos que o controle dos preços em áreas como alimentos, transporte e medicamentos são delicados, justamente por serem essenciais, e que qualquer variação gera impactos imensos na sociedade. É perigoso para a população haver monopólio nesses segmentos (em quaisquer segmentos, mas em especial nesses), e, para mostrar o quanto, surge a Alcorp em 'Mensageira da Sorte', nos fazendo pensar sobre como tudo pode dar catastroficamente errado se não tomarmos cuidado", conta a autora sobre a criação da sua corporação vilã.

Nos quatro primeiros dias de Bienal, Nia já tinha vendido mais de 360 exemplares do romance, número bem considerável, ainda mais para quem estreia na literatura. A autora diz que gostaria de encontrar mais distopias e histórias fantásticas que mostrem a realidade brasileira, "que lidem com nossos problemas e desvendem nossos segredos". Encarando como natural a escolha do Rio para ser o cenário de sua narrativa – afinal, é uma cidade com grande carga histórica e política, além de ser o lugar onde vive -, a escritora comenta como vê seu trabalho refletindo o momento do Brasil.

"O Rio, assim como o resto do país, vem passando por uma situação delicada nos últimos anos. Exagerar isso, criando uma ambientação um tanto distópica e extrema, foi uma forma interessante de forçar os personagens, que já lidam com seus próprios dilemas da vida como a conhecemos, como depressão, perda, amor e mudanças, a trabalharem também as discussões éticas da trama, tentando entender o que é certo ou errado, o que faz a justiça, e se essa justiça é, de fato, justa. Acredito que essa seja uma das principais funções da narrativa distópica: nos fazer refletir sobre o nosso próprio mundo e o que podemos fazer para mudá-lo".

Vitor Martins.

Comunidade consciente e engajada

Mencionado no início do texto, Vitor Martins tem grande respeito entre leitores e entusiastas de young adults por conta de "Quinze Dias" e "Um Milhão de Finais Felizes", que trazem histórias que partem da descoberta da homossexualidade e da homofobia. "Nos meus livros, sempre busco mostrar a pessoa LGBT como qualquer outra, e a sexualidade acaba se tornando uma parte das muitas facetas daquele personagem. Pessoas LGBT também tem suas inseguranças sobre o corpo, sobre o futuro, amizades complicadas e conflitos reais e diversos. Falar sobre as descobertas na literatura, principalmente na literatura para jovens, é um assunto inevitável (e muito pertinente) mas eu fico muito feliz de perceber que as nossas histórias estão cada vez mais sendo contadas a partir de infinitas possibilidades de descobertas que vão muito além da nossa orientação sexual", analisa o autor.

Para ele, os jovens brasileiros estão cada vez mais interessados em se enxergar na literatura que consomem. "As narrativas de quem sempre viveu à margem são importantes e precisam ser mostradas em todas as mídias e plataformas porque isso prova que nós existimos. No último ano foi muito comum dentro do gênero young adult encontrar lançamentos que abordam a diversidade sexual, racial e de gênero. E eu acredito que a literatura jovem adulto é uma das que mais se posiciona nesse sentido, dando a cara a tapa para falar sobre assuntos que muita gente ainda considera tabu, como racismo, cultura de estupro, LGBTQfobia e muitos outros temas. No mundo ideal, todo jovem leitor deveria se enxergar em um personagem da literatura pelo menos uma vez na vida. Enquanto esse mundo ideal não chega, nós continuamos trabalhando para isso".

Vitor se considera uma pessoa de sorte pela maneira positiva e carinhosa que foi recebido pelos leitores. "É sempre comum esperar que a recepção desse tipo de literatura seja problemática em algum tempo, mas foram pouquíssimas as vezes que tive que lidar com uma opinião preconceituosa em relação ao que eu escrevo. Acho que, nesse momento no Brasil, a comunidade de jovens leitores está cada vez mais consciente e politicamente engajada, e isso reflete muito na maneira como esses jovens fazem suas leituras e no que eles buscam quando querem ler um livro de ficção. E eu sinto um orgulho imenso de poder fazer parte disso".

Pedro Almeida.

De jovem para jovem

Um outro fator que tem se mostrado decisivo nesse mercado é a idade dos autores. Para ficarmos em Nia e Vitor, ela tem 28, ele, 27 anos: quando a obra é escrita de jovem para jovem, a chance dela ter sucesso é maior. Voltemos a Pedro Almeida, da Faro, que diz ter aprendido isso na prática. "O leitor se envolve com o livro quando 'entra no livro', quando compartilha os sentimentos dos personagens, sobretudo dos protagonistas. Vi que autores mais velhos podem ter um texto mais bem elaborado, mas dificilmente superam a proximidade de uma narrativa feita por alguém mais jovem que escreve para jovens. É o linguajar, a forma como reagem às emoções, os interesses dos personagens. Tem todo um espírito de geração que, por mais que tente, um autor mais maduro não consegue replicar numa ficção".

Para Talitha Perissé, editora da Intrínseca que trabalha com a aquisição de direitos de young adults, um dos desafios do mercado nacional é "encontrar nossa voz, sem clichês e sem ser chapa branca, entender quem são nossos leitores e como podemos, cada vez mais, levar até eles histórias que impactem suas vidas".

Ela, no entanto, discorda que estejamos diante de uma nova tendência. "Apesar de hoje usarmos um termo que define literatura para jovens, ela sempre existiu e sempre foi politizada. 'O Apanhador no Campo de Centeio' [de J. D. Salinger], se fosse lançado agora, seria considerado literatura para jovens adultos. Esses livros tendem a atrair os jovens porque tratam de questões que os cercam e que eles estão interessados em compreender. O que temos alguma dificuldade para perceber é que, na literatura considerada para jovens, existe um ambiente propício para ousar e ser profundo usando personagens facilmente relacionáveis. É o encontro perfeito: um gênero que não julga e pode se arriscar em tratar de tabus encontra um público ávido por aprender e questionar".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.