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Tirava do rei para dar aos nobres: um Robin Hood que você não conhecia

Rodrigo Casarin

30/05/2018 10h43

Existem algumas suposições sobre a existência de alguém que tenha inspirado Robin Hood ou sobre a existência do próprio bandido-herói, mas nenhuma delas é sustentada por fatos concretos. Tendo isso em mente, me surpreendeu a possibilidade levantada pelo historiador Patrick Boucheron em "Como se Revoltar", livreto breve (são só 64 páginas) e precioso que a Editora 34 acaba de publicar no país. A obra traz uma conferência de Boucheron proferida em 2016 sobre o ato de se rebelar na Idade Média, período no qual o estudioso é especialista.

Em certo momento do discurso, Boucheron foca em dois personagens bem conhecidos do grande público: o cavaleiro medieval Ivanhoé, criado no século 19 pelo escritor Walter Scott, e o famoso Robin Hood. Contrapondo um ao outro, veja o que o historiador diz:

"Então esse Robin Hood, bandido de bom coração que se escondia na floresta com seu alegre bando para fugir do sheriff de Nottingham, existiu mesmo? Talvez não exatamente como reza a lenda, mas bem mais do que Ivanhoé, esse sim uma pura criação romanesca. Robin Hood é o nome de uma construção mitológica, isto é, de um conjunto de recordações interligadas (com diferentes personagens, diferentes aventuras e diferentes lugares) e dignas de memória".

Digno de nota mesmo é o que vem a seguir. Diferente da imagem que muitos fazem da figura do ladrão que tira dos ricos para dar aos mais necessitados, o historiador aponta que se existiram pessoas que serviram de base para a criação do personagem, estas pertenciam à pequena nobreza da Inglaterra. Seriam barões que se revoltaram contra um rei ironicamente chamado de João Sem-Terra, que perdeu uma importante batalha contra a França em 1214.

"A história de Robin Hood relata essa importante encruzilhada na história europeia, o momento em que os barões ingleses se revoltaram contra o rei por causa do resultado desfavorável da batalha […]. Em nome de quê? Em nome do interesse geral do qual os nobres se acham os defensores naturais – entende-se com isso que eles gozam de uma disposição natural para o bem público, porque nasceram assim, herdaram isso e, por sua vez, vão legar essa disposição pelo sangue".

Sim, segundo o historiador, Robin Hood representaria não uma revolta dos pobres contra os ricos, mas dos abastados contra os mais abastados ainda, a revolta da nobreza contra a realeza. Nesse sentido, Boucheron ainda faz um complemento partindo da Idade Média para tentar entender quem são os grupos que lideram revoltas ao longo da história. O parecer me soa pertinente para um país que vive esperando uma espécie de insurreição dos mais pobres, daqueles que precisam sobreviver a cada dia:

"Simplificando muito, diria o seguinte: nas cidades, o revoltado típico era o artesão especializado, instruído, inserido em uma rede de solidariedade e de politização, ou seja, ele podia ler e ouvir discursos políticos de reivindicação social, sob a forma de texto, de imagens ou de canções. Ele podia participar dos debates, refletir sobre os discursos e articulá-los numa visão de mundo e de regras de ação para transformá-lo. Nosso revoltado típico não é pobre, mas teme a pobreza. As grandes revoltas raramente acontecem no auge da depressão: quando tudo vai muito mal, cada um se preocupa primeiro com a própria sobrevivência. Mas, quando uma mudança de conjuntura se esboça, quando, a um período de relativo bem-estar, sucede a ameaça de um empobrecimento generalizado, a situação se torna perigosa para o poder em vigor".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.