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Marcelo Rubens Paiva: Marx tem coisas belíssimas, como a noção de utopia

Rodrigo Casarin

18/05/2018 10h33

Fotos: Daryan Dornelles/ Folhapress.

"Filósofos não devem apenas interpretar o mundo, mas mudá-lo. Uma função da filosofia seria transformá-la em ação revolucionária. A realidade não reside nas ideias nem na consciência dos homens, e sim na ação concreta.

Nasceu a ideia de Utopia: um tempo em que haveria uma completa harmonia social.

Não adiantava ficar parado observando borboletas, crianças, filhotes. Eu tinha uma luta. Precisava fugir. Eu tinha uma tropa. Eu tinha uma marcha a fazer, uma grande marcha!

Foi quando me veio o plano".

Quem planeja algo é o macaco que aprendeu a ler, tornou-se fã de Batman, debruçou-se sobre livros de filosofia e protagoniza e narra o novo romance de Marcelo Rubens Paiva: "O Orangotango Marxista", publicado pela Alfaguara. Como o título antecipa, é o autor de títulos como "O Capital" e "O Manifesto Comunista" que faz a cabeça e norteia certas atitudes do símio, numa história que guarda semelhanças com livros como "O Anibaleitor", de Rui Zink, e "A Forma da Água", de Daniel Kraus e Guillermo del Toro.

Marcelo, no entanto, diz não ter lido nenhuma das duas obras. Autor de romances como "Feliz Ano Velho" e "Blecaute" e do memorialístico "Ainda Estou Aqui", lançado em 2015, no papo abaixo o escritor mostra seu entusiasmo com Marx, mas se diz contrário à violência revolucionária e crítico aos regimes implementados em Cuba, na China e na antiga União Soviética.

Filho de Rubens Paiva, deputado torturado e assassinado por militares em 1971, durante a ditadura, Marcelo também falou o que pensa de quem deseja a volta dos fardados ao poder – "é uma ignorância achar que a ditadura vai matar as pessoas e ficar tudo bem; não vai ficar nada bem. O fato de não se julgar os torturadores é a prova da nossa incapacidade de fazer justiça e de como o crime é livre para atuar no Brasil" – e sobre as recentes revelações a respeito de Ernesto Geisel, ditador que comandou o país – e carnificinas verde-oliva que aconteciam no país – entre 1974 e 1979.

De onde veio a ideia de criar uma história narrada por um macaco estudioso?

Acho que a humanidade está um pouco perdida e é bom alguém de fora nos dizer o que acha dos novos tempos, do nosso dia a dia, da nossa sociedade. Ia num zoológico em Americana, ficava observando os macacos, via que eles nos observavam e via que as pessoas não prestavam muita atenção neles, ficavam mais nos celulares, fazendo exercícios, cuidados dos filhos… Eles ficavam nos observando, entendiados. Como eu não tinha muito o que fazer, passava a tarde toda lá, ouvindo os comentários muitas vezes pejorativos sobre os animais. Então tive esse questionamento: o que esses bichos estão pensando? O que pensam de nós? Disso tive a ideia de criar um macaco que aprendesse a ler e estudasse filosofia: um macaco marxista que faz a relação de luta de classes entre nós e os animais, o que ele chama de luta de espécies.

É um bom momento para publicar um livro que fala sobre Marx?

Agora é, foi uma coincidência o livro sair junto com as comemorações dos 200 anos de nascimento do velho Marx. O Marx é muito injustiçado, coitado, ele não criou o leninismo, o maoismo, não inventou o sistema político de Cuba… Ele era um filósofo, economista, fã de Napoleão… Ele descreveu para os revolucionários o que ele viu, ele era um pesquisador. E coisas que o Marx falou estão acontecendo hoje, como a teoria da pirâmide, na qual uma empresa mais forte compra a mais fraca e vai comprando, comprando, comprando até que haja só uma empresa controlando tudo. Setores estarem na mão de uma pessoa, ou de um grupo de dez pessoas, essa concentração do capitalismo como temos hoje, foi previsto pelo Marx através de análises.

E ele tem coisas belíssimas, como a noção de utopia, algo quase religioso, parecido com o paraíso, uma sociedade sem injustiças, sem um dominando o outro. Eu não sou especialista em Marx, mas, como toda minha geração, na universidade tive muito contato com a leitura marxista das coisas, até a crítica literária era marxista. A Teologia da Libertação, por exemplo, é a leitura marxista da "Bíblia", algo que é mesmo possível.

Mas estamos num momento de extremos e tem gente que espuma de raiva ao ouvir falar de Marx. Eu, por exemplo, recebi olhares enviesados enquanto estava lendo o livro no metrô.

Você tá brincando… Nossa senhora! São uns idiotas, né!? Mas tem gente que acha que esse título causa uma dupla leitura, há quem pense que eu estou xingando os marxistas e os considerando orangotangos.

"Ninguém troca ideias, opiniões divergentes, ninguém debate, é convencido de algo, muda de opinião. A bolha que cerca protege", constata o orangotango em certo momento da narrativa. Você é uma figura bastante presente no Twitter, às vezes tem a impressão de que é mais fácil dialogar com animais do que com algumas pessoas na internet?

Não, tem animal que é bem violento também (risos). O hipopótamo, por exemplo, é um dos mais perigosos que tem. Acho, inclusive, que esse ódio e essa raiva que sentimos é um pouco fruto dessa nossa herança animal, irracional. Esses acessos de raiva e ódio que às vezes aparecem nas pessoas é muito semelhante ao ataque de um gorila ou hipopótamo. O ódio se transformou numa constante de boa parte das pessoas que habita as redes sociais, até porque preferir debater pelo Facebook ou Twitter em vez de ir para um bar conversar já demonstra um desvio de personalidade.

Dos ataques que sofre nas redes, sente-se atingido de alguma forma?

Não, nem um pouco. Enfrento isso desde que tinha só o blog. O que faço agora é bloquear e denunciar. E é uma delícia denunciar, o Twitter me manda uma carta. Denunciei um cidadão ontem [terça, dia 15] que me mandava ir à merda, me chamava de aleijado do cacete. Quando faço uma postagem do universo do futebol, aí o ódio é mais descontrolado, as pessoas não tem humor quando o assunto é futebol.

Voltando ao livro, o orangotango flerta em alguns momentos com a revolução. Você acha que a revolução é um bom caminho para se seguir, que é uma boa saída?

Não, não é uma saída. Sou da tese do [Martin] Luther King, do Gandhi, da linha da não-violência, da mobilização, da manifestação. Só duas revoluções foram bem-sucedidas: a Americana e a Francesa. A Cubana, que torcemos tanto, foi um fracasso; estive em Cuba e aquilo lá eu não quero pra nenhum país. A mesma coisa com os países da Cortina Ferro: a Iugoslávia tinha uma condição um pouco melhor, mas a Alemanha Oriental era uma vergonha, o stalinismo era o terror contante. Na China, agora, proibiram até a Peppa Pig. É um absurdo no mundo contemporâneo você ter censura, controlar a imprensa, ter só um partido… Eu gosto da revolução que o [Leonel] Brizola queria pro Brasil, do Socialismo Moreno, que foi a que aconteceu nos países nórdicos: uma reforma para o estado de bem social, tirando dos ricos. Acho que dá para fazer uma revolução pacífica.

E o que você pensa de pessoas que pedem a volta dos militares ao poder?

É uma ignorância tremenda. É uma tristeza como essas pessoas não leram, não sabem o que aconteceu na história. Outro dia uma pessoa veio me perguntar o que aconteceu com meu pai. Como assim? As pessoas não têm noção do que aconteceu no país? Não têm noção da Colônia, da Monarquia, da República, depois o AI 5, os militares no poder, ingerência em tudo…? É uma falta de interesse em conhecer o próprio país. É uma ignorância achar que a ditadura vai matar as pessoas e ficar tudo bem; não vai ficar nada bem. O fato de não se julgar os torturadores é a prova da nossa incapacidade de fazer justiça e de como o crime é livre para atuar no Brasil.

O que você sentiu ao tomar conhecimento dos documentos da CIA recentemente revelados que mostram que o Geisel dava ordens para matar brasileiros?

Nunca minha família costumou se colocar como vítima da ditadura, mas como brasileiros. Minha mãe dizia: "o que aconteceu com meu marido aconteceu com todo o país". Além do meu pai, milhares de outras pessoas sofreram. Crianças foram presas e torturadas, militares foram presos e torturados… Minha família nunca se colocou na posição de vingança pessoal. Como escritor, pesquisador, pensador, acho incrível que apareça um documento mostrando tudo isso sobre o Geisel, mas não senti nada pessoal. Nunca me coloquei como vítima da ditadura.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.