A censura está aí, agora precisamos pensar em como combatê-la
O que rolou desta vez: Luisa Geisler, autora de "Contos de Mentira", "Quiça" (ambos publicados pela Record) e "Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente" (Alfaguara), premiada com o Sesc de Literatura de 2010 e que já figurou entre os finalistas do Machado de Assis e do Jabuti, tinha sido convidada para a 15ª Feira do Livro de Nova Hertz, que acontecerá entre os dias 27 e 30 na cidade gaúcha. A ideia, contou Luisa, era conversar com alunos do Ensino Fundamental sobre "Enfim, Capivaras" (Seguinte), seu romance juvenil que teve, inclusive, exemplares comprados pela prefeitura de Nova Hertz para disponibilizá-los a escolas da rede pública.
Guardiões da moral e dos bons costumes, no entanto, reclamaram do linguajar empregado por Luisa em sua obra. Escandalizaram-se com um palavrão aqui e outro ali, como se aquele tipo de coisa não fizesse parte da vida de adolescentes e pré-adolescentes. Após chiliques, teve escola que escondeu o livro de Luisa. Na Câmara local, teve vereador que comemorou a decisão. O convite feito à escritora para participar da Feira do Livro foi retirado. Tanto Luisa quanto a Companhia das Letras, casa do selo Seguinte, tratam o episódio como um caso de censura.
Há mais de dois anos, desde o cancelamento da mostra "Queermuseu", então em cartaz no Santander Cultural de Porto Alegre, que trato de fatos de teor semelhante aqui no Página Cinco. Falei, por exemplo, da perseguição à escritora Ana Maria Machado, bizarramente acusada de fazer apologia ao suicídio infantil, dos rojões disparados contra Glenn Greenwald na Flip, das ameaças feitas pelos cidadãos de Jaraguá do Sul à jornalista Miriam Leitão e ao sociólogo Sérgio Abranches e da patrulha homofóbica de Marcelo Crivella durante a Bienal do Livro do Rio. No Twitter, há uma longa de lista com matérias e artigos que escrevi sobre esses episódios e o contexto social e político em que estão inseridos.
Não esgoto os episódios. Nesse tempo, ainda tivemos peça banida em Jundiaí, quadro apreendido em Campo Grande, Bienal do Livro estranhamente interditada em Contagem (MG), o filme sobre Marighella que nunca estreia… Há quem ainda discuta se estamos ou não vivendo uma era de censura às artes. Tempo perdido. Não há mais o que discutir: a perseguição, a patrulha, o desmonte e a censura já acontecem há mais de dois anos. Diferente de outrora, os dispositivos utilizados pelos censores não vêm de algum órgão oficial, mas são artimanhas que, perante olhares ingênuos ou já propícios a aplaudir a volta às trevas, soam como medidas razoáveis.
Mas não é razoável que uma mostra queer seja encerrada antes do previsto por temor do que poderia acontecer. Que uma peça seja cancelada porque uma transexual interpreta Jesus Cristo. Que uma escritora consagrada seja perseguida. Que rojões sejam disparados contra um jornalista. Que um prefeito reúna inquisidores para travar uma batalha contra uma HQ em que dois garotos se beijam. Que uma escritora seja boicotada e silenciada porque seu livro contém os mesmos palavrões que ouvimos em todos os ambientes do país, inclusive – ou principalmente – em escolas.
Aos que olham pra frente, a discussão não é mais se existe ou não perseguição e censura às artes, mas como combatê-las.
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