Dez pinceladas sobre censuras de ontem e de hoje
A artista argentina Marta Minujín criou em Kassel, na Alemanha, uma réplica do Partenon, icônica construção da Grécia Antiga, utilizando 100 mil cópias de 170 títulos censurados por governos autoritários ao longo da história. São obras de autores como Franz Kafka, George Orwell, Ray Bradbury e Miguel de Cervantes. O resultado, chamado de "Partenon dos Livros", é essa maravilha acima, erguida no mesmo lugar onde, em 1933, nazistas queimaram cerca de 2000 livros que os desagradavam.
A Caixa Econômica Federal criou um sistema de censura prévia aos projetos selecionados para seus centros culturais. Dependendo da maneira como o artista se manifesta nas redes sociais, portas fechadas. No entendimento de alguns funcionários, temas que desagradam o presidente Jair Bolsonaro, como questões de gênero, sexualidade e reflexões sobre a ditadura civil-militar, também podem fazer pesar sobre propostas o carimbo de "censurado".
Bolsonaro, que já pediu um filtro de conteúdo para os filmes fomentados pela Ancine, nega qualquer ato de censura, mas assume que há defesa dos valores cristãos a da tal família tradicional brasileira. Até outro dia, queimavam gente em praça pública com essa mesma desculpa.
No último domingo, na Folha, o colega Mauricio Stycer escreveu sobre "Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura", de Laura Mattos (Companhia das Letras). Uma frase do livro destacada por Stycer: "Ampla, geral e irrestrita, a censura conta com o suporte de parte da sociedade, que não só a deseja como a exige".
Em Paraty, há dois meses e pouco, estridentes de verde e amarelo atiraram rojões contra um jornalista e contra a multidão que tentava acompanhar sua fala. Em Jaraguá do Sul, convites para uma conversa foram desfeitos por riscos à segurança dos convidados – sabe-se lá o que a turba que baba ódio na internet poderia fazer no mundo real. No Rio de Janeiro, um beijo entre dois garotos numa HQ despertou a ira (e os instintos homofóbicos e censores) do prefeito. Em São Paulo, a deputada estadual Isa Penna sofreu um pedido de cassação de seu mandato por ter recitado um poema na tribuna da Assembleia Legislativa.
Em meados da década de 1960, Ignácio de Loyola Brandão era editor do jornal Última Hora. Quando a censura barrava alguma reportagem, ele pegava o texto e guardava dentro de uma gaveta. Logo notou que tinha material suficiente para, com alguma criatividade, escrever um livro a partir daquilo tudo que havia sido proibido. Para driblar os censores, "Zero" saiu primeiro na Itália , em 1974, e no ano seguinte chegou ao Brasil. Não durou muito nas livrarias, no entanto. Em 1976 a censura o proibiu. A alegação era a clássica: a obra atentava contra a moral e os bons costumes. Quase 1 milhão de exemplares de "Zero" já foram vendidos.
Cassandra Rios foi quem mais sofreu com a censura ao longo da ditadura civil-militar: censores barraram mais de 30 de seus livros. Alguns outros títulos vetados pelos militares: "Autoritarismo e Democratização", de Fernando Henrique Cardoso, "Abajur Lilás/ Barrela", de Plínio Marcos, "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca, "Dez Estórias Imorais", de Aguinaldo Silva. Os contos "Mister Curitiba", de Dalton Trevisan, e "O Cobrador", outro de Fonseca, também entram no balaio.
Relatos dão conta que, em determinado momento da ditadura civil-militar, até livros sobre bombas hidráulicas eram apreendidos pelos capangas daqueles que estavam no poder. Material subversivo, rosnavam as pequenas autoridades.
A censura à arte no Brasil não é invenção da ditadura civil-militar. Durante a Era Vargas, por exemplo, escritores com alguma atuação política eram presos (Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Jorge Amado….), livros eram vetados e, vez ou outra, queimados em praça pública.
Não há nada de positivo para se tirar desses episódios históricos. Pelo visto, sequer aprendemos com o nosso passado. Mas o monumento feito em 2017 por Marta Minujín é mesmo impactante.
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