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Para fechar a Flip: leiam Liudmila Petruchévskaia e Selva Almada

Rodrigo Casarin

31/07/2018 10h34

Tropeçava de um canto para outro no centro histórico de Paraty quando ouvi uma música extremamente alta. Alguém cantava "Besame Mucho" com um sotaque estranho e num tom que parecia uma provocação à Flip. "Ah é? Vocês atrapalham a cidade com toda essa balburdia literária? Pois cantarei Consuelo Velásquez num volume que abafará qualquer voz que venha daquela tal tenda dos autores". Dobrei uma esquina, outra, cheguei à Praça da Matriz. Maravilhosa a surpresa. No telão instalado para que o público acompanhe gratuitamente a programação do evento, Liudmila Petruchévskaia empunhando o microfone e misturando a letra em espanhol com o russo, sua língua materna.

Uma pena que não tenha conseguido chegar a tempo de ver Liudmila cantar tudo o que cantou ou falar sobre sua vida e obra. Pela repercussão, o encontro foi ótimo e surpreendente. Era uma das mesas que desejava mesmo assistir, porém na Flip nem sempre a vontade anda junto com as possibilidades, ainda mais quando há trabalho envolvido entre uma coisa e outra.

Já conhecia o nome de Liudmila e passara por alguns comentários a respeito de sua literatura, mas só fui de fato ler a autora após seu nome aparecer como uma das maiores estrelas da Festa deste ano. E adorei "Era Uma Vez Uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha", coletânea de "histórias e contos de fadas assustadores" publicada por aqui pela Companhia das Letras. A russa é mesmo uma exímia contadora de histórias. É com justiça que a comparam a gente como Edgar Allan Poe e Gogol: o horror típico do primeiro e os estranhamentos e absurdos caros ao segundo estão entranhados nos textos de Liudmila. "A Vingança" é uma das narrativas breves que mais me impressionaram e as surreais memórias da guerra presentes em seus contos são de embasbacar qualquer leitor.

Selva Almada. Fotos: Divulgação/ Flip.

Outra escritora fundamental que esteve nesta Flip foi Selva Almada, do romance "O Vento que Arrasa" (Cosac Naify) e de "Garotas Mortas", uma não ficção publicada por aqui há poucas semanas pela Todavia. O primeiro apresenta uma narrativa mais potente, enquanto o segundo, que também é muito bem escrito, traz um assunto mais urgente: o feminicídio.

Investigando os desdobramentos (ou a falta deles) do assassinato de três mulheres na década de 1980, Selva faz com que o leitor de depare com hábitos sociais e culturais por trás da assustadora quantidade de moças aniquiladas pelo simples fato de serem mulheres. Os criminosos? Homens que vivem com a certeza de que o sexo oposto está no mundo para lhes servir e agradar. A narrativa se passa principalmente na Argentina de Selva, mas poderia estar situada em qualquer canto do Brasil. Não foi por acaso que o tema dominou a conversa que a escritora teve com a filósofa Djamila Ribeiro.

Recomendo fortemente a leitura dos três livros: "Era Uma Vez Uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha", "O Vento que Arrasa" – falei dele há algum tempo – e "Garotas Mortas". Deixo também o vídeo de Liudmila cantando "Besame Mucho". Aliás, para quem quiser se aprofundar em algumas das mesas que aconteceram em Paraty, a Flip disponibiliza o áudio de toda sua agenda principal aqui. Já o Sesc, que novamente apresentou uma das programações mais coesas do evento, completamente focada em literatura brasileira e reunindo gente como Edyr Augusto e Ana Paula Maia, também disponibiliza, em sua página no Facebook, vídeos das conversas que promoveu.

Viajei a Paraty a convite da EDP Brasil.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.