Drummond: País explode se ganharmos ou perdermos a Copa, não há alternativa
"Se a gente ganha a Copa do Mundo, este país explode. Se perder, explode também. Não há alternativa. No primeiro caso, ainda haverá a tentativa oficial de convocar os campeões da Taça Jules Rimet para governarem o Brasil, sob o comando do general de 11 Estrelas Telê Santana. Cada brasileiro se sentirá campeoníssimo e há de querer governar, sozinho, pelo menos a América Latina, ou a Europa – e o Brasil ficará, desculpem, desgovernado. No segundo caso… Cala-te, boca".
Essas palavras foram escritas por ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade para o "Jornal do Brasil" do dia 6 de março de 1982. Na data, o país aguardava pela Copa da Espanha e, com um timaço, vislumbrava a possibilidade de ficar com a taça. Sobre essa expectativa que o poeta previu que a nação explodiria independente do que acontecesse entre junho e julho daquele ano.
Reunidos no livro "Quando É Dia de Futebol" (Companhia das Letras), é uma delícia revisitar os escritos de Drummond sobre o esporte, ainda mais em época de Copa – em que pese uma imprecisão aqui e outra ali; em 1982, por exemplo, não era mais a Jules Rimet, definitivamente em descuidada posse do Brasil desde 1970, a taça disputada pelos jogadores. Pela situação política que vivemos hoje e pelas esperanças que a seleção tem dado aos brasileiros na Rússia, não é de se descartar que o autor, caso estivesse vivo, escreveria linhas semelhantes por esses dias.
Responsável por títulos indispensáveis de nossa literatura, como "A Rosa do Povo" e "Claro Enigma", e apontado por muitos como o maior poeta do país, Drummond torcia para o Vasco e, como cronista, abordava os assuntos mais variados possíveis, dentre eles o esporte – há registros do autor relacionados a todas das Copas entre 1954 e 1986, disputada um ano antes de sua morte. Assim, "Quando É Dia de Futebol" acaba oferendo ao leitor uma oportunidade para reviver torneios passados pela elegante e respeitosa ótica do escritor. Se Drummond não é chegado a grandes exacerbações nas vitórias, tampouco apedreja alguém nas derrotas; contenta-se em deleitar-se com o bom jogo e a compreender quando as coisas não saem conforme sua torcida.
"A vitória da Seleção Brasileira na Copa do Mundo lavou os corações, desanuviou os espíritos, entusiasmou as filas, uniu os desafetos e tornou possível a solução imediata dos problemas que nos afligem. Não há hesitação possível. Ou tiramos deste triunfo as consequências que comporta, ou desperdiçamos a última e grande chance oferecida por Deus, talvez já um tanto fatigado de ser brasileiro", escreve após o bi em 1962.
Já após a dolorida queda de 20 anos mais tarde, em 1982, procura pelo valor da derrota e aceita a tragédia do Sarriá: "Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição […]. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas".
Ainda nesse artigo, publicado no Jornal do Brasil, é comovente a maneira como Drummond acolhe os derrotados: "Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de todos nós".
Quem hoje seria capaz de dedicar palavras tão ternas a Tite, seus jogadores, reservas e até reservas de reservas caso o Brasil fracasse na Rússia?
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