Laerte: “Penso que qualquer manifestação da sensibilidade está sob perigo”
"Penso que qualquer manifestação da sensibilidade brasileira está sob perigo, nesse momento. Não chamaria só de intolerância, mas de ignorância truculenta – em outras palavras, fascismo". É dessa forma que a quadrinista Laerte encara os ataques contra museus, artistas e até filósofas que vêm acontecendo pelo Brasil nos últimos meses.
Laerte está lançando "Baiacu" (Todavia), coletânea artística um tanto anárquica que reúne ilustrações, fotografias, poemas, HQs e textos em prosa que organizou com Angeli, parceiro com quem não atuava desde a década de 80. "Voltar a trabalhar com o Angeli foi voltar a produzir revista, editar, juntar gente, coisa que ele sempre fez muito bem. Acho que não existe nada que 'permaneça' entre uma experiência e outra… A água é outra, o moinho é outro, somos outras pessoas", diz a quadrinista sobre o reencontro.
"Baiacu" nasce de uma residência artística de duas semanas que Laerte e Angeli capitanearam com dez colegas na Casa do Sol, sede do Instituto Hilda Hilst e antiga moradia da escritora. "A escolha [dos nomes], mais do que seleção, foi se dando sob diversos critérios: queríamos um grupo de artistas de força, que também contemplasse uma certa diversidade. Sem fazer dessa diversidade um cânone rígido, procuramos trazer gente de fora de São Paulo, de fora do Brasil, mulheres, homens, visões e maneiras variadas".
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Dessa forma, nomes como a equatoriana Power Paola, o grego Ilan Manouach, o gaúcho Guazzelli e a carioca Laura Lannes, que hoje vive em Nova Iorque, trabalharam juntos, ainda que cada um assine de maneira independente suas criações que foram parar no livro ou na versão digital de "Baiacu". No final, somaram-se ao material produzido na Casa do Sol textos de cinco escritores, dentre eles André Sant'Anna, Daniel Galera e Bruna Beber.
Eco de "Chiclete com Banana"
Dentre os trabalhos reunidos em "Baiacu", um dos destaques é a HQ assinada pela própria Laerte. Nela, um militar nazista diz que "uma boa piada será sempre uma boa piada", enquanto procura por judeus presos que deem risada de desenhos antissemitas. No quadrinho da artista, também há uma oportuna crítica à falta de "espaço" para que se confesse um arrependimento, um momento de fraqueza, sem ser prontamente taxada por algum brucutu de "escória".
"A linguagem do humor e a da comicidade têm seus próprios sinais, que as distinguem de outros discursos, mas em nenhum momento se tornam neutras, do ponto de vista ideológico. Exprimem opiniões e produzem efeitos pelos quais não devem se sentir imunes", comenta Laerte sobre piadas que se pretendem boas independente do conteúdo. "Minha história também contém uma autoironia… Procurei não deixar mensagens fechadas. Mas é verdade que há, principalmente no contexto das redes sociais, um ambiente muito propício aos julgamentos sumários. Não acho que seja uma situação inédita na história – julgamentos sumários vêm acontecendo há milênios…", complementa.
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Olhando para "Baiacu" e levando em conta a dupla de editores, impossível não lembrar de "Chiclete com Banana", também editada por Angeli e Laerte, uma das publicações mais importantes da história dos quadrinhos no Brasil. No entanto, a quadrinista não vê grandes paralelos entre ambas. "Acho que a única conexão está no fato de que a Chiclete também reunia gente e, embora fosse mais de quadrinho mesmo, linguagens diversas, como ilustrações, textos, fotos, poemas… Produzindo, dessa forma, o retrato de um tempo".
O lançamento de "Baiacu" acontece neste sábado, 18, às 19h, no Sesc Ipiranga, em São Paulo. Veja alguns fragmentos do livro (clique nas imagens para ampliá-las):
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