Joga pedra na Geni: clássico de Chico Buarque vira HQ delicada e silenciosa
"De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada"
Faixa do álbum "Ópera do Malandro", de 1978, "Geni e o Zepelim" é um dos maiores clássicos de Chico Buarque. Na música, acompanhamos a história de Geni, uma prostituta que é um poço de bondade, que vai amiúde até com velhinhos e viúvas, e justamente por isso costuma ser achincalhada por todos da cidade onde vive e trabalha – "ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir", dizem da "maldita Geni".
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Um dia surge um zepelim nos céus dessa cidade. Do alto, o comandante da geringonça ameaça destruir todo o lugar, mas muda de ideia quando avista Geni: "Posso evitar o drama se aquela formosa dama esta noite me servir", chantageia o poderoso. Geni, no entanto, tinha suas preferências e homem cheirando a brilho e a cobre não estava dentre elas. Então, todos que lhe humilhavam saírem em romaria: passaram a beijar sua mão e a tentar convencê-la a oferecer seus préstimos ao estranho. Os relatos dão conta de que o bispo chegou a ela de olhos vermelhos, o prefeito estava de joelhos e o banqueiro lhe ofereceu um milhão. "Bendita Geni", clamavam.
Diante daqueles surpreendentes pedidos, Geni cedeu, dominou seu asco e foi ter com o comandante. Após uma noite de serviço duro, viu o invasor deixar a cidade intacta e partir saciado. Mas é sabido que a hipocrisia acompanha os honrados e nobres homens de bem. Quando regressou aos seus, a prostituta voltou a ouvir o coro que sempre lhe fora caro: "Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni. Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir. Ela dá pra qualquer um, maldita Geni!".
Geni em quadrinhos
A história presente na música acaba de ser transformada em quadrinhos por Ricardo Antunes. "Zeppelin", publicado pela Reference Press, marca a estreia do ilustrador e designer gráfico nas HQs. "Esse é um projeto antigo, que ficou em minha cabeça por 39 anos, desde que 'Geni e o Zepelin' foi lançada. Na época eu tinha 13 anos e foi um impacto enorme, porque a música era diferente em todos os sentidos: tem um final trágico, é melancólica, mas, acima de tudo, é uma narrativa completamente visual. Sempre a achei um roteiro de cinema pronto, e por anos fiquei visualizando a história. Mas o livro não é uma transcrição literal da música, apenas a tomei por base", conta Antunes ao Página Cinco.
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O resultado, como aponta o artista, é uma adaptação que toma certas liberdades com relação à história original – o final, por exemplo, é aberto a certas interpretações que a música de Chico não permite. A escolha de Antunes por trabalhar com quadros grandes, sempre em preto e branco e sem qualquer texto contribuem para uma narrativa delicada, ironicamente silenciosa e bastante dramática.
"Optei por uma narrativa totalmente visual por causa da própria música: ela não fala de coisas abstratas, trata o tempo todo de coisas concretas, de forma que uma transcrição visual quase dispensa o texto", explica o artista, que vê a canção como uma das mais belas e tristes da MPB. "Ela fala de preconceito, hipocrisia e ingratidão na sociedade, em especial contra a mulher". Esses assuntos, na visão do quadrinista, continuam pertinentes. "Com certeza a mulher conquistou muitos direitos desde aquela época, mas infelizmente pouca coisa mudou nas outras questões, basta notar as expressões de ódio, extremismo e racismo que temos visto todos os dias".
Veja algumas páginas da HQ "Zeppelin" (clique nas imagens para ampliá-las):
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