Página Cinco http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos ao e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos. Fri, 01 May 2020 09:30:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Podcast P5 – O Dia dos Trabalhadores nas palavras de Eduardo Galeano http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/05/01/podcast-p5-o-dia-dos-trabalhadores-nas-palavras-de-eduardo-galeano/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/05/01/podcast-p5-o-dia-dos-trabalhadores-nas-palavras-de-eduardo-galeano/#respond Fri, 01 May 2020 09:30:15 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7630

Nesta edição do podcast do Página Cinco, um fragmento do livro “Os Filhos dos Dias”, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, publicado no Brasil pela L&PM em tradução de Eric Nepomuceno.

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Livro sobre “tesouros” plantados em vinhedos mais parece ação de marketing http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/30/livro-sobre-tesouros-plantados-em-vinhedos-mais-parece-acao-de-marketing/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/30/livro-sobre-tesouros-plantados-em-vinhedos-mais-parece-acao-de-marketing/#respond Thu, 30 Apr 2020 12:52:51 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7624

É preciso coragem e certa cara de pau para bancar certas ações de marketing.

A vinícola Catena Zapata e todos os outros projetos que se desdobraram a partir do trabalho de Nicolás Catena Zapata, um dos nomes mais importantes da história do vinho argentino, são amplamente reconhecidos mundo afora. No Brasil, ter algum dos sobrenomes do cara estampado num rótulo é meio caminho andado para que a garrafa seja desejada pelo consumidor, independente do líquido dentro do recipiente.

A confiança tem lastro. Os vinhos costumam ser bons. Não necessariamente melhores do que certos concorrentes de acordo com a faixa de preço de cada produto, é verdade, mas o trabalho de marketing do grupo é muito bem feito. Prova disso é que recentemente a Catena Zapata foi eleita a marca mais admirada do mundo pela revista inglesa Drinks International. Trocando em miúdos: Nicolás e seus herdeiros manjam de vinho, entregam aos consumidores bebidas que valem a pena e, a partir disso, souberam transformar seus nomes em sinônimo de qualidade, principalmente quando o assunto é malbec argentino.

Não me parece exagerado apontar a vinícola como uma das mais importantes do mundo neste momento. Mas ela está à altura de produtores célebres, com histórias centenárias, responsáveis por fazer de fermentados de uvas algumas das bebidas mais desejadas, aduladas, procuradas e inflacionadas do mundo? Está a Catena Zapata ou algum de seus vinhedos e produtos no nível de um Châteu Lafite Rothschild, Chateu d’Yquem, Leflaive Montrachet ou Romanée-Conti, verdadeiros ícones da França? Sem ironias, não sei. Deixo a resposta para quem já teve grana ou oportunidade para derrubar caríssimas garrafas dessas últimas marcas, não é o meu caso.

O livro “Ouro nos Vinhedos – Histórias dos Vinhedos Mais Importantes do Mundo” não apenas coloca a Catena Zapata ao lado desses franceses, mas também a equipara a sete outros produtores de inegável qualidade, como o alemão Joh. Jos. Prüm, dono de rieslings paradigmáticos, e o italiano Gaja, cuja história vem sendo construída há mais de século. Repito: deixo para especialistas avaliarem se é razoável ou não colocar a grife argentina ao lado desses nomes; para mim, inclusive, o mais justo seria fazer uma degustação às cegas com vinhos de tudo o que é tipo, daí veríamos de verdade quem é quem.

Só que tem um detalhe. A autora do livro, recém-publicado no Brasil pela Catapulta em tradução de Fabiana Teixeira Lima, é ninguém menos do que Laura Catena. Sim, a Laura manja muito de vinho, tem uma carreira admirável, produz rótulos que adorei provar e outros que amaria ter grana para bancar. Porém, como o sobrenome entrega, ela é filha de Nicolás Catena Zapata, além de herdeira e diretora da Catena Zapata. Ao longo do livro ela assume isso e a todo momento reforça o tom pessoal do trabalho, é verdade. No entanto, impossível ler “Ouro nos Vinhedos” sem encará-lo como uma autopromoção, como uma peça de marketing. É pra lá de oportuno para Laura criar uma narrativa em que coloque a própria marca ao lado de outras que costumam ser, mais do que admiradas, veneradas.

Feita a importante ponderação para prevenir os incautos, também digo que o livro tem seu valor. E que livro bonito, aliás. Ilustrado por Fernando Adorneti, colorido, cheio de peripécias gráficas, capa dura, papel nobre… pensado para ficar sobre a mesa, para fazer sucesso no Instagram. para ser ostentado (aqui em casa, até tomei bronca por dobrar páginas para marcar certos trechos). As histórias de cada um dos doze vinhedos são bastante breves, mas trazem boas curiosidades. Você sabia que o Adrianna Vineyard, ícone da bodega de Laura, deve seu nome, de certa forma, ao livro “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar? Não? Nem eu. Também gostei de ver vinícolas de países como Estados Unidos e Austrália dentre dúzia escolhida.

Cairia bem, ajudaria a deixar a coisa com uma cara menos cabotina, se a autora tivesse colocado pelo menos mais uma vinícola sul-americana na obra. E aqui entramos em alguns problemas da edição. Um editor atento teria dado um toque na escritora e dito: “Laura, o Robert Parker tem sua importância, claro. No entanto, pelo texto, parece que ele é o único crítico que você conhece ou respeita. E se for isso mesmo, melhor deixar logo explícito”. Também estranha que leitores prévios tenham deixado passar erros como um “nos anos 1970 do século XIX” (1970 só pode estar no século XX).

São questões bem problemáticas tanto para um livro quanto para uma peça de marketing. Ou para uma peça de marketing em forma de livro. Pode encarar como preferir.

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Vitória na quarentena: finalmente me entendi com “Cem Anos de Solidão” http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/29/vitoria-na-quarentena-finalmente-me-entendi-com-cem-anos-de-solidao/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/29/vitoria-na-quarentena-finalmente-me-entendi-com-cem-anos-de-solidao/#respond Wed, 29 Apr 2020 12:52:18 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7618

Outro dia, numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, após ser perguntando sobre algum livro que não conseguiu terminar de ler, o escritor André Anciman, de “Me Chame Pelo Seu Nome” (Intrínseca), tascou “Moby Dick”. Faltou paciência para seguir em frente com o clássico de Herman Melville, argumentou.

Desconheço leitor assíduo que não tenha passado por isso com algum grande livro que, durante a leitura, acaba se mostrando principalmente um livro grande, arrastado. Alguns títulos são recorrentes nessa categoria de “iniciados, mas jamais vencidos”, digamos assim: “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust (podemos levar em conta só o primeiro dos sete volumes, sem problemas), “Ulysses”, de James Joyce, “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann…

Da minha parte, o meu grande livro de leitura empacada era “Cem Anos de Solidão”, obra mais famosa de Gabriel García Márquez, outro que é presença recorrente nessa abreviada lista que comecei a traçar no parágrafo anterior. “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”, começa a narrativa, aqui traduzida por Eric Nepomuceno e editada pela Record.

Devo ter encarado esse começo quatro ou cinco vezes. Algumas leituras são assim: parecem incontornáveis, impossíveis de ignorar, mas, ao mesmo tempo, apresentam-se como monumentos indecifráveis. Passava pelo célebre inicio de Gabo, porém logo me cansava daqueles montes de Arcádios e Aurelianos, daquela confusa família Buendía, daquela Macondo que me era entuchada como um paradigma de mundo fantástico dos trópicos.

E o problema não estava em Gabo. Minha admiração pelo vencedor do Nobel de Literatura de 1982 sempre foi grande. Na faculdade e na especialização, seus textos jornalísticos estavam entre os meus favoritos; “Relato de um Náufrago” é daqueles livros que marcaram a vida. Da ficção, me entendia bem contos e romances como “Memórias de Minhas Putas Tristes”. Conforme os anos passavam, cada vez gostava mais de García Márquez, enquanto fracassava a cada nova tentativa com “Cem Anos de Solidão”.

Mas eis que veio a quarentena.

Gabo tem sido um parceiro frequente nessa época de clausura. Primeiro precisei apontar que um texto piegas que circula pelo WhatsApp não tem nada a ver com “O Amor nos Tempos do Cólera”, romance publicado pelo colombiano em 1985. Também aproveitei o ócio para finalmente assistir ao documentário “Gabo: A Criação de Gabriel García Márquez”, disponível na Netflix. É um filme bom, que esmiúça as convicções e contradições políticas do escritor e traz detalhes saborosos, como a maneira que o tal Grupo de Barranquilla encarava a literatura: a coisa mais importante da vida, mas que não deve ser levada tão a sério. Além disso, foi legal encontrar Juan Gabriel Vásquez, conterrâneo de Gabo, conduzindo a narrativa; dele, recomendo com força o romance “O Ruído das Coisas ao Cair” (Alfaguara).

E, como vocês sabem desde que viram o título deste texto, me entendi com “Cem Anos de Solidão”. Uns 17 anos depois do primeiro fracasso, enfim me encantei por Macondo, que tardiamente entra para o meu hall de lugares fictícios favoritos. Foi uma conquista lenta, uma dança com as palavras que durou uma semana, talvez dez dias. Mas agora posso dizer: que livro, amigos, que livro! Depois de tantos desencontros, a sensação de colocar esse título na lista do que já li é mesmo de vitória

Não vou ficar aqui fazendo elogios e destacando aspectos positivos (e alguns problemáticos, é verdade) de um romance que vem sendo incensado e debatido desde 1967. Só não posso deixar de registrar uma coisa. Mais do que uma metáfora da nossa porção do continente, é em “Cem Anos de Solidão” que estão as verdadeiras veias abertas da América Latina — que me desculpe o camarada Eduardo Galeano, outro escritor que adoro.

Talvez volte em outro momento ao romance de Gabo para escrever sobre alguns pontos específicos. A guerra civil, a terra latino-americana como plantação (ou pasto) do mundo, a truculenta e eterna colonização, os militares que trabalham com a morte covarde numa mão e a desfaçatez em outra, todos esses são pontos que permanecem bem atuais.

Deixo aqui um dos meus parágrafos favoritos do livro:

“Fazia três meses que não chovia, e era tempo de seca. Mas quando o senhor Brown anunciou sua decisão, precipitou-se por toda a zona bananeira o aguaceiro torrencial que surpreendeu José Arcádio Segundo no caminho para Macondo. Uma semana depois continuava chovendo. A versão oficial, mil vezes repetida e reiterada por todo o país e por tudo que era meio de divulgação que o governo encontrou ao seu alcance, acabou se impondo: não houve mortos, os trabalhadores tinham voltado satisfeitos para suas famílias, e a companhia bananeira suspendia suas atividades enquanto a chuva não parasse. A lei marcial continuava, pura prevenção caso fosse necessário aplicar medidas de emergência para a calamidade pública do aguaceiro interminável, mas a tropa estava aquartelada. Durante o dia os militares andavam pela correnteza das ruas, com as calças enroladas até a metade das pernas, brincando de naufrágio com as crianças. De noite, após o toque de recolher, derrubavam as portas a coronhadas de fuzil, arrancavam os suspeitos de suas camas e os levavam numa viagem sem volta. Era ainda a busca e o extermínio dos malfeitores, assassinos, incendiários, revoltosos do Decreto Número Quatro, mas os militares negavam tudo aos próprios parentes de suas vítimas que lotavam o escritório dos comandantes à procura de notícias. ‘Com certeza foi um sonho’, insistiam os oficiais. ‘Em Macondo não aconteceu nada, nem está acontecendo, nem acontecerá nada nunca. Este é um povo feliz’. Assim consumaram o extermínio dos chefes sindicais”.

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Sem amontoado de palavras e menos de 20 páginas: 5 livros para Bolsonaro http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/28/sem-amontoado-de-palavras-e-menos-de-20-paginas-5-livros-para-bolsonaro/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/28/sem-amontoado-de-palavras-e-menos-de-20-paginas-5-livros-para-bolsonaro/#respond Tue, 28 Apr 2020 18:06:38 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7612

Outro dia ele vociferou contra os didáticos: “Os livros hoje em dia, como regra, é um montão, um amontoado… Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”. Hoje começou a circular um vídeo em que, na porta do Alvorada, volta mostrar problemas com as palavras: “Tem muita coisa que eu assino, que eu leio a ementa apenas. Tem decreto com 20 páginas e às vezes tem um palmo de papel pra assinar ali”, disse. Depois completou: “Tem que interpretar também…”.

Um dos principais desafios do meu trabalho como jornalista que escreve sobre livros é conseguir indicar obras de acordo com o perfil e o nível de cada leitor. Nem sempre é fácil, mas desafios são bem-vindos. Levando em conta as manifestações acima, resolvi fazer uma listinha com cinco títulos que, acredito, se encaixam no que Jair Bolsonaro, nosso presidente da República, espera de um livro. E se você também sente incômodo diante de obras com mais de vinte páginas preenchidas com palavras, aproveite a relação:

Animais Bebês – Toque e Sinta: Patinhos“, de Tatiana Reiter Bueno (Todolivro) – são meras oito páginas com fotos coloridas e texturizadas de bichinhos que emitem sons. Livro lúdico e sem um amontoado de letrinhas. Só espero que eventuais grasnidos não tragam lembranças negativas.

Os Três Porquinhos” (Ciranda Cultural) – a clássica história da luta de três bichinhos rosas contra o lobo mau. Em dez páginas, uma chance para aprender um pouco sobre a importância de um trabalho sólido, feito com material de primeira.

Palavras: 100 Janelinhas Para Aprender” (Yoyo Books) – esse aqui é para começar a perder o medo ao se deparar com coisa escrita. Brincando, o presidente poderá se aproximar de uma centena de palavras, o que não chega a ser exatamente um amontoado. Terá que ter alguma paciência para percorrer as 12 páginas.

Conhecendo os Sons da Fazenda – Cavalo“, de Cristina Klein – Bolsonaro cresceu no interior, perto de animais, então Paulo Freire aprovaria a ideia de tentar aproximá-lo dos livros por meio de um universo familiar. Depois de ler a obra sobre o cavalo, poderá procurar alguma similar sobre o gado. É outro com 12 páginas.

Cocô no Trono“, de Bernoit Charlat – mudança de rotina, aprender a fazer as coisas no lugar certo, entender que os tronos utilizados hoje nada têm a ver com aqueles usados por reis ou imperadores… Aqui o desafio será maior, mas o processo de aprimoramento da leitura funciona mesmo dessa forma: com obstáculos sendo encarados de frente e, com persistência, superados. E Bolsonaro há de conseguir vencer e interpretar as 16 páginas deste livro.

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Com seriedade e leveza, autor retrata transtornos mentais entre jovens http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/28/com-seriedade-e-leveza-autor-retrata-transtornos-mentais-entre-jovens/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/28/com-seriedade-e-leveza-autor-retrata-transtornos-mentais-entre-jovens/#respond Tue, 28 Apr 2020 12:49:59 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7607

Severino em foto de Renata Tavares.

Ao terminar a leitura do texto, Júlia olhou para a professora. Será que ela já sabia? Será que os pais tinham contado algo no colégio? A garota não queria que os colegas soubessem que ela estava fazendo terapia. Tinha vergonha. Ou será que era apenas coincidência? Lila tinha um sexto sentido apurado. Isso era fato.

Júlia começou a responder às questões. Nunca tinha achado uma prova tão fácil e tão a cara dela. Estava no sétimo quesito quando ouviu alguém se levantando. Era Gustavo, que entregou a prova para a professora e saiu ligeiro.

Ele nunca fora dos primeiros a terminar. Realmente, havia alguma coisa errada com Gustavo.

Júlia e Gustavo cursam o sétimo ano num colégio de Recife. Ela é uma dedicada nadadora. Ele, jogador de basquete. Os dois gostam de ler. Os dois também precisam lidar com seus problemas. Ela sofre de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Ele, de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). E ambos protagonizam o romance juvenil “10 Mil Voltas ao Meu Mundo” (Editora do Brasil), de Severino Rodrigues.

Severino é mestre em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco e dá aulas de português no Instituto Federal de Pernambuco. Na literatura, já venceu concursos promovidos por órgãos como a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e a Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Entre o final de 2016 e começo de 2017, teve o clique de como poderia tratar nos seus escritos de um tema delicado: a saúde mental dos adolescentes.

Segundo pesquisa conduzida por profissionais de algumas das principais universidades do país e publicada em 2016 na Revista de Saúde Pública, da USP, quase um terço dos jovens brasileiros entre 12 e 17 anos precisam lidar com algum tipo de transtorno mental. Severino foi um desses casos. “Tive TOC na minha adolescência. Sempre quis desenvolver essa questão num personagem, só não tinha tido uma boa ideia. De 2016 para 2017, pensei em criar um microuniverso de adolescentes que cursam o ensino fundamental II e vivenciam questões como o transtorno de ansiedade, o TOC….”, conta o professor e escritor em entrevista ao Página Cinco.

Assim surgiu a série “Cabeça Jovem”. O primeiro título da coleção foi “Bateria 100% Carregada”, no qual Severino tratou de Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). “10 Mil Voltas ao Meu Mundo” é a sequência do trabalho, que já conta também com o fresquíssimo “Mil Pássaros de Papel”, no qual o autor aborda a depressão. “Fui percebendo que os adolescentes têm muito interesse e querem debater essas questões”.

Para construir as narrativas, Severino diz se basear não apenas na própria experiência (em relação ao TOC, no caso) e na convivência com adolescentes que eventualmente tenham algum distúrbio, mas também em muitas leituras e pesquisas, para que possa entregar ao leitor um texto que leve em consideração todos os cuidados que o tema exige.

“Nunca quis fazer algo didático ou muito explicativo. Gostaria que, de acordo com o comportamento dos personagens, o leitor pudesse visualizar as situações. Me incomodam bastante algumas representações artísticas que tratam desses assuntos com muito humor. Para quem sofre de ansiedade, de TOC, não há nenhuma graça nisso. Minha proposta é apresentar uma abordagem mais séria, ainda que com leveza”.

Outra preocupação de Severino é com a própria literatura. Pelo título do segundo livro da série, não é difícil de sacar que a obra dialoga com “A Volta do Mundo em 80 Dias”, clássico de Júlio Verne. Júlia e Gustavo mergulham e discutem o livro do francês no clube de leitura do qual fazem parte (a atividade se mostra em alguns momentos complicada para o garoto que, por conta do transtorno, tem certa dificuldade para manter a concentração).

Em seus livros, Severino busca estabelecer pontes com grandes obras da literatura. A aposta é que isso ajude a despertar nos seus leitores o interesse por títulos consagrados. “A ideia é fazer com que o leitor se aproxime não só dos personagens e das tramas, mas também dos livros que esses personagens estão lendo. Quando o leitor encontra um personagem lendo, é provável que ele também vá querer ler aquele livro”, aposta.

Citando-se como exemplo, lembra que ele mesmo já percorreu esse caminho algumas vezes: “Aconteceu muito comigo na minha adolescência: estar lendo um livro, outro era mencionado e eu corria atrás desse outro para ler também. Então a série tem essa função, de incentivar ainda mais o estímulo à leitura”.

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Lutas por terra e teto marcam lançamentos relevantes de nossa literatura http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/24/lutas-por-terra-e-teto-marcam-lancamentos-relevantes-de-nossa-literatura/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/24/lutas-por-terra-e-teto-marcam-lancamentos-relevantes-de-nossa-literatura/#respond Fri, 24 Apr 2020 12:51:05 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7595

Nas florestas, as brigas são pelos limites dos territórios indígenas e pela maneira como o Estado pode lidar com essas áreas. No campo, a tensão entre latifundiários e camponeses se arrasta por mais de século. Nas cidades, a questão se desdobra na luta de milhões de pessoas por moradia, por um teto para chamar de seu. Esses conflitos, que representam algumas das principais contradições do Brasil, estão representados em três romances nacionais lançados há pouco e que merecem a atenção dos leitores. Falo de “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior (Todavia), “Maria Altamira”, de Maria José Silveira (Instante), e “A Ocupação”, de Julián Fuks (Companhia das Letras).

O baiano Itamar traçou um caminho particular com “Torto Arado”. Vencedora do Prêmio Leya de 2018, a obra saiu primeiro em Portugal, onde foi bastante elogiada, para só depois ser publicada por aqui. Na epígrafe, um trecho de Raduan Nassar entrega para o leitor uma das principais referências de Itamar e um pouco do que será encontrado ao longo de mais de 260 páginas: “A terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra); existe neste ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo”.

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“Torto Arado” acompanha a história de duas irmãs: Bibiana e Belonísia, filhas de trabalhadores rurais que buscam sobreviver e dar alguma cor à vida numa fazenda do sertão baiano. A cena inicial do romance é carregada de simbolismo e aflição: crianças, as duas descobrem uma faca brilhante que a avó mantinha escondida. Numa brincadeira, levam a lâmina à boca. Uma se corta com certa gravidade, enquanto a outra decepa a língua. Só bem mais adiante que vamos saber quem se calou para sempre e quem passou a ser a voz da dupla. A necessidade de romper a barreira do silêncio e fazer com que a voz ecoe talvez seja a principal metáfora do livro.

Bibiana e Belonísia são filhas de pequenos agricultores que, após o fim da escravidão, viram-se presos às terras de antigos senhores. Vivendo em casas de barro (para que sempre lembrem que aquele lar é frágil, que podem ser chutados daquele canto a qualquer momento), trabalham em troca de ter um cantinho para plantar a própria comida. O acesso, ainda que parco, aos estudos permite àquelas pessoas que vivem sob o cabresto vislumbrar outra realidade. Apesar da resistência de diversos oprimidos, que preferem ficar do lado de seus capatazes, organização e luta se delineiam. Vozes que se erguem contra o machismo, contra os senhores da terra, contra a arbitrariedade da justiça e contra a truculência do poder instituído marcam o rumo da história.

Itamar Vieira Junior.

Faço um recorte bem específico de “Torto Arado”. Haveria diversos outros pontos para explorar na obra: o misticismo, a fome, a competência de Itamar para transformar a oralidade em literatura… Infelizmente não lembro quem foi, mas alguém disse que é um livro que já nasce com uma baita cara de clássico. Concordo. Do ótimo trabalho, retiro o fragmento da fala de um dos personagens; é um bom resumo do contexto histórico em que a narrativa está inserida:

“Quando deram a liberdade aos negros, nosso abandono continuou. O povo vagou de terra em terra pedindo abrigo, passando fome, se sujeitando a trabalhar por nada. Se sujeitando a trabalhar por morada. A mesma escravidão de antes fantasiada de liberdade. Mas que liberdade? Não podíamos construir casa de alvenaria, não podíamos botar a roça que queríamos. Levavam o que podiam do nosso trabalho. Trabalhávamos de domingo a domingo sem receber um centavo. O tempo que sobrava era para cuidar de nossas roças, porque senão não comíamos. Era homem na roça do senhor e mulher e filhos na roça de casa, nos quintais, para não morrerem de fome”.

Coincidentemente, “Maria Altamira” também apresenta duas protagonistas. O novo trabalho de Maria José Silveira, autora de romances como “Guerra no Coração do Cerrado” e “Pauliceia de Mil Dentes”, começa no Peru da década de 1970, quando um terremoto em Yungay, cidade no noroeste do país, provocou soterramentos que deixaram mais de 50 mil mortos na região. Na ficção, uma das raras sobreviventes dessa tragédia é Aleli. Após perder toda a família, a mulher parte sem rumo certo por uma jornada que a levará a diversos países de uma América do Sul tomada por ditaduras. Com a opressão dos militares no pano de fundo, a miséria e a violência ordinária (dois elementos que, junto com a truculência, permeiam toda obra), Aleli busca por formas de se proteger e sobreviver, aliando o talento musical ao bom manejo de armas brancas.

Merece destaque esse périplo que parte do Peru e passa por cantos perdidos de países como Chile e Argentina. Nos ajuda a lembrar que o Brasil deveria olhar mais para essa porção da América quando tenta encontrar o seu lugar no mundo. Cruzando nossa fronteira, Aleli se depara com uma realidade que espelha o que já presenciara em outros cantos. É na região do Xingu que acaba por se enroscar com um líder local. Após parir a filha, crente de que carrega em si uma maldição responsável por aniquilar todos ao seu redor, abandona a criança e segue a jornada rumo ao acaso. Nesse momento que a narrativa se divide. A história da peruana passa a ser contada em lampejos. É a outra protagonista, a filha deixada para trás, que toma o centro do texto. Falo, claro, de Maria Altamira.

Maria cresce no Xingu entre indígenas e ribeirinhos. Aos poucos, vê a região pobre se transformar em alvo de interesses escusos. Os madeireiros já rondavam o lugar há muito tempo, mas a grande virada se dá com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, projeto hediondo que nasceu na ditadura militar e se arrastou pela história até ser colocado em prática pelos governos petistas. A construção das barragens destroçam a vida local. Direitos e tradições são afogados em nome da suposta civilização, que desaloja dezenas de milhares de pessoas e inunda centenas de quilômetros quadrados de terras que pertenciam aos indígenas.

Maria José Silveira.

Enquanto lugares onde muitos construíram suas vidas são tomados pela água, o fluxo de pessoas de outros cantos rumo à região do Xingu acaba por rapidamente degradar a sociedade local. A violência e o consumo de drogas (especialmente o álcool) crescem na mesma proporção em que homens chegam em busca de algum dinheiro. É dessa forma que aquela terra outrora sagrada parece se tornar terra de ninguém, uma terra sem lei. E aqui lembro de uma entrevista que fiz no ano passado com Eliane Brum, jornalista que vive há alguns anos em Altamira:

“Viver numa das Amazônias, a do Médio Xingu, me deu uma outra compreensão da vida. Como convivo com povos cujos ancestrais já viveram o fim do mundo antes, caso dos indígenas, e com povos que acabaram de viver o fim do mundo de novo, caso dos indígenas e dos beiradeiros atingidos pela usina hidrelétrica de Belo Monte, tenho testemunhado como eles lutam. Nunca tinha visto ninguém lutar assim antes. Usam a alegria como ‘potência de agir’. A alegria de estar junto e de compartilhar a vida, mesmo na catástrofe. Riem por desaforo diante dos déspotas do mundo”, disse-me Eliane quando conversamos sobre o lançamento de “Brasil, Construtor de Ruínas” (Arquipélago).

Como acontece no livro de Itamar, são os estudos que indicam um outro horizonte para Maria Altamira. A filha abandonada de Aleli deixa a floresta e parte para uma temporada em São Paulo. E se ali a discussão era relacionada à terra, aqui passamos a olhar para um problema irmão: o direito e a luta por moradia. “Desde que chegou a São Paulo, uma coisa que impressionou Maria Altamira foi a organização do pessoal que morava no prédio. Enfrentar os problemas conjuntos, administrar o local ocupado, dividir as tarefas, preparar a ocupação de prédios desocupados que pudessem abrigar mais gente”, lemos no livro de Maria José Silveira, que prossegue:

“Havia os profissionais voluntários que vinham para ajudar no que a organização precisasse. Advogados, médicos, sociólogos. Maria observava tudo aquilo, o sofrimento comum e ao mesmo tempo tão diferente de cada um, a luta cotidiana e, como um fio entrelaçando tudo aquilo, o direito de se alegrar e se afirmar: estamos aqui. Seu povo Yudjá também lutava assim: por seus direitos de viver, de morar, de se alegrar e, da mesma maneira, se afirmar: temos o direito de estar aqui”.

Não pela forma, mas pelo conteúdo, o trecho poderia tranquilamente fazer parte do romance mais recente de Julián Fuks. “A Ocupação” forma um díptico ao lado de “A Resistência”, publicado em 2015 e que se transformou num dos livros mais elogiados e premiados de nossa literatura nestes anos 10. “A Ocupação” traz características que são caras ao autor: capítulos breves, traços de autoficção e a presença de Sebastián, alter ego de Julián, o olhar para a Argentina, de onde os pais do escritor partiram por conta da última ditadura militar que vigorou no país vizinho (característica que é mais um bem-vindo aceno para nossa porção do continente), o forte diálogo com elementos políticos, a pegada social…

Numa narrativa fragmentada, o livro, como o título explicita, passa por ocupações: a doença que ocupa o corpo do pai do protagonista, o cãozinho Tango, que ocupa algumas das mais belas memórias afetivas, o bebê que ocupa o corpo grávido da mulher de Sebastián e até uma ocupação na própria narrativa. Quem escreve o capítulo 39, composto por uma carta, é o moçambicano Mia Couto, espécie de mentor de Fuks para esse trabalho graças a um programa cultural de uma fabricante de relógios pomposos.

Julián Fuks em foto de Bruno Santos/Folhapress.

O que brilha no livro, no entanto, são as páginas ocupadas pelos relatos daqueles que residem em ocupações. Sebastián passa dias ao lado dos residentes do Hotel Cambridge, um símbolo da luta por moradia na cidade de São Paulo. Quem vive no lugar são trabalhadores mal remunerados, pessoas deixadas pelos parentes, imigrantes que encontraram no Brasil uma família improvável, composta por desterrados de vários cantos do mundo. É um povo que busca não apenas por abrigo, mas por um lar. Sebastián poderia tranquilamente encontrar Maria Altamira numa dessas visitas. Também poderia encontrar descendentes de Bibiana e Belonísia, gente que, décadas depois do fim da escravidão e da batalha de familiares contra a servidão, ainda luta por um canto que lhes pertença.

“Ocupar era o imperativo de todos eles, ocupar as praças, as ruas, os prédios vazios, povoá-los com seus corpos ainda firmes, com sua vida incontível. Ocupar era uma urgência dos corpos, convertida no mais contundente dos atos políticos, a afrontar a resignação dos serenos”, registra Sebastián, via para que Fuks permita que sua obra seja ocupada pelas muitas histórias que podem ser encontradas no Cambridge.

Dessas histórias, chamo atenção para uma que me causou especial angústia. Após o sumiço do marido que passou “quinze anos rastejando na cozinha atrás de comida”, Rosa precisou lidar com uma infestação de ratos em sua casa. Não foi fácil achar alguém que lhe ajudasse a envenenar os bichos. Só que a matança trouxe um novo problema, este ainda maior. Primeiro foram os corpos dos roedores que começaram a aparecer por todos os cantos. Depois, sem dar conta de eliminar aqueles que morriam no forro, viu sua casa ser ocupada a ponto de precisar deixá-la:

“Fui dormir e senti que dormia pela primeira vez em vários dias. Ainda assim, acordei no meio da noite com um respingo no rosto, passei a mão e estranhei a textura pegajosa. Quando acendi a luz, fui dar com uma multidão de larvas na minha cama, nos meus braços, no pescoço, só podiam ser larvas o que eu tinha no rosto. Caíam pelo soquete da lâmpada, era uma nova infestação que atacava a infestação de ratos mortos. Saí do quarto assustada e fui dar com mais larvas na sala, numa trilha longa pela parede, pela cômoda, pelos livros [….]. São um nojo, as larvas. Têm o cheiro daquilo que comem, carniça pura se espalhando pela casa. Eu agora era só raiva, não me sobrava nem consciência nem dó. Fervi um panelão e comecei a afogar os bichos todos, mas eles pareciam se multiplicar por efeito da água, era larva viva e larva morta transbordando por toda parte. Eu não sabia mais o que fazer, eu só sabia que tinha que ir embora”.

É na conversa com Sebastián que Rosa brada sua luta: “O caso é que eu cansei de ser ocupada, por homem, por rato, por larva. Agora é a minha vez de ocupar, você não acha?”. Já na visão de Fuks, em referência ao díptico escrito, ocupar e resistir são palavras de ordem que definem as batalhas de nossos dias. Lembrando da conflagração por um pedaço de terra no interior da Bahia narrada por Itamar Vieira Junior e da maneira como as terras indígenas foram tratadas no Xingu de Maria José Silveira, notamos que os verbos também ditam o tom das lutas que marcam boa parte da história do Brasil.

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Podcast P5 – Os primeiros livros de brasileiros inspirados pela quarentena http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/24/podcast-p5-os-primeiros-livros-de-brasileiros-inspirados-pela-quarentena/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/24/podcast-p5-os-primeiros-livros-de-brasileiros-inspirados-pela-quarentena/#respond Fri, 24 Apr 2020 09:30:20 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7593

Nesta edição do podcast do Página Cinco:

– A coletânea “Amores em Quarentena” (Monomito) e o romance “Ana de Corona“, de Gisele Mirabai.

Ocupação Hilda Hilst na internet.

Curso de marketing para o mercado editorial.

O trabalho de Jéssica Balbino.

– “Além do Rio dos Sinos”, de Menalton Braff (Reformatório), “Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas”, de Robin DiAngelo (Faro Editorial), e “Destino Adiado”, de Jean-Pierre Gibrat (Pipoca & Nanquim), nos lançamentos.

E nesses dias, no Página Cinco, tivemos:

– Uma ideia para fazer as crianças lerem mais na quarentena.

Resenha de “O Tiradentes”, biografia de Lucas Figueirero.

Opinião sobre o silêncio do governo Bolsonaro após as mortes de Moraes Moreira, Rubem Fonseca e Garcia-Roza.

O podcast do Página Cinco está disponível no Spotify, na Apple Podcasts, no Deezer, no SoundCloud e no Youtube.

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No Dia Mundial do Livro, lembremos de Eco: “Não contem com o fim do livro” http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/23/no-dia-mundial-do-livro-lembremos-de-eco-nao-contem-com-o-fim-do-livro/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/23/no-dia-mundial-do-livro-lembremos-de-eco-nao-contem-com-o-fim-do-livro/#respond Thu, 23 Apr 2020 19:35:10 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7589

“Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na cama, até num barco, até onde não existem tomadas elétricas, até onde e quando qualquer bateria se descarregou, e suporta marcadores e cantos dobrados, e pode ser derrubado no chão ou abandonado sobre o peito ou sobre os joelhos quando a gente cai no sono, e fica no bolso, e se consome, registra a intensidade, a assiduidade ou a regularidade das nossas leituras, e nos recorda (se parecer muito fresco ou insonso) que ainda não o lemos….”.

As palavras acima foram escritas por Umberto Eco, certamente um dos maiores apaixonados por livros que já tivemos neste planeta. Elas compõem o ensaio “Reflexões Sobre a Bibliofilia”, publicado originalmente em 2001 como um folhetim pela Edizioni Rovello e reeditado como uma das peças de “A Memória Vegetal E Outros Escritos Sobre Bibliofilia”, publicado aqui no Brasil pela Record em 2010.

Hoje é o Dia Internacional do Livro, uma homenagem a nomes como William Shakespeare e Miguel de Cervantes, que teriam nos deixado nesse dia, só que em 1616. Não é verdade. Cervantes morreu antes, Shakespeare vivia numa Inglaterra que seguia o calendário juliano, o que causa uma bagunça nas datas, mas isso é papo para outra hora (ou para outra aba do navegador, caso não possa esperar). Não quero azedar a festa de ninguém com preciosismos históricos. Voltemos ao amor aos livros.

Por aqui, todo dia é dia de festejar esse objeto venerado por mim, por Eco e por tantos outros, por isso que às vezes fico pensando no que escrever numa data específica como esta. Os livros que ditam os rumos de boa parte da minha vida.

Mas lembro que estamos num momento particularmente difícil. Se listas com sugestões de leitura para a quarentena pipocam em tudo o que é canto, por outro lado vemos notícias de livrarias fechando e de bancos dificultando o acesso de empresas do setor a empréstimos. O mercado editorial está ruindo, alardeiam. Sim, há problemas. Muitos problemas. Mas todos esses problemas dizem muito mais respeito às planilhas de Excel do que às páginas impressas. O modelo de muitos negócios relacionados ao livro precisam ser repensados, não há dúvidas, mas isso não quer dizer que estamos à beira de um mundo sem livros, como pintam por aí.

Os leitores existem, e são muitos. Certo, nem tantos assim se compararmos com a quantidade de não leitores, mas suficientes para justificar a impressão de centenas, milhares de livros, ainda que em pequenas edições. O livro conta com um trunfo raro de se encontrar em outras áreas: há paixão legítima envolvida, há amor verdadeiro por esses montes de folhas com letras impressas amarradas por uma linha e coladas numa capa bonita.

O momento é difícil, mas voltemos a Umberto Eco para lembrar do nome de um outro trabalho do italiano: “Não contem com o fim do livro”.

E boa leitura a todos!

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A pequenez de Bolsonaro e o silêncio sobre Moraes Moreira e Rubem Fonseca http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/22/a-pequenez-de-bolsonaro-e-o-silencio-sobre-moraes-moreira-e-rubem-fonseca/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/22/a-pequenez-de-bolsonaro-e-o-silencio-sobre-moraes-moreira-e-rubem-fonseca/#respond Wed, 22 Apr 2020 12:41:53 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7585

Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress.

Incontornável na história da música brasileira, um dos Novos Baianos, homem que mudou a cara do carnaval… Moraes Moreira nos deixou no dia 13 de abril, segunda-feira retrasada.

Para muitos, o maior escritor então vivo do Brasil, a mente que ajudou a delinear a violenta realidade de nossas grandes cidades, autor de livros como “Feliz Ano Novo” e “A Grande Arte”, Rubem Fonseca morreu no dia 15 de abril, há uma semana.

No dia seguinte foi a vez de partir Luiz Alfredo Garcia-Roza, criador do detetive Espinosa e responsável pelos romances policiais mais elogiados do país nas últimas duas décadas.

O que há de comum entre eles? A proximidade do fim da vida e a relevância artística, claro. Mas não só. A morte do três foi completamente ignorada pelo governo Bolsonaro, uma vergonha para o país.

Rubem Fonseca.

É certo que o homem na presidência não é muito afeito à arte e à cultura. Quando se manifesta nesse sentido, é para lamentar por MC Reaça ou para defender o direito de Gusttavo Lima encher a cara em suas lives. Palavras sobre a morte de Beth Carvalho? Sem chances. A respeito da passagem de João Gilberto, um dos nossos gênios? “Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?”, apenas isso. É ridículo, é mesquinho, é medíocre, é indigno. Não que possamos esperar outra coisa de Bolsonaro.

Regina Duarte, nossa secretária Especial da Cultura, também se calou após a série de mortes. Não deu bola para Moraes Moreira, Rubem Fonseca e Garcia-Roza. Ninguém ganha cargo na claque bolsonarista por acaso. Truculência, desprezo e estupidez são ativos no Planalto. Para Regina, as músicas de Moraes, os contos de Rubem e os romances de Roza parecem não valer um pum de palhaço.

Nada disso surpreende, é verdade. Mas é triste. Se há uma coisa que não podemos nos permitir é acostumarmos com toda essa pequenez. Não dá para achar normal tamanha falta de sensibilidade com a nossa arte, com nossos grandes artistas.

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Lembrar de Tiradentes é necessário quando um presidente ataca a liberdade http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/21/lembrar-de-tiradentes-e-necessario-quando-um-presidente-ataca-a-liberdade/ http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2020/04/21/lembrar-de-tiradentes-e-necessario-quando-um-presidente-ataca-a-liberdade/#respond Tue, 21 Apr 2020 12:27:05 +0000 http://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/?p=7578

“Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos Inconfidentes”, de Leopoldino de Faria.

Ano passado, na categoria Biografia, Documentário e Reportagem, o prêmio Jabuti foi para Josélia Aguiar pelo trabalho feito em “Jorge Amado” (Todavia). Tivesse ido para um dos outros quatro finalistas, no entanto, também estaria em ótimas mãos. Falo de Lucas Figueiredo e seu “O Tiradentes”, que busca reconstruir a história de vida do revolucionário cuja morte completa 228 anos hoje.

“Biografar Joaquim José da Silva Xavier é embrenhar-se numa fresta escura. De um lado, pela cavilação das fontes disponíveis; de outro, pela escassez de registros – basta dizer, de início, que é impraticável descrever os aspectos físicos de Tiradentes”, escreve o jornalista no final do volume. Tateando por uma infinidade de documentos, Lucas sai dessa fresta escura com um rico material em mãos e oferece ao leitor uma ótima reconstituição histórica, com destaque para a maneira como o autor trabalha os cenários e os ânimos da época.

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Ler “O Tiradentes” é fazer uma viagem no tempo. É, de cara, deixar um pouco de lado esses dias tão complicados para se situar no Brasil do final do século 18, quando alguns rebeldes ousaram imaginar um país independente, livre da opressão da Coroa Portuguesa. Enquanto a produção de ouro diminuía nas minas gerais e a realeza entuchava impostos goela abaixo dos mineiros, os ares locais pareciam cada vez mais propensos à ruptura.

“A Coroa não estava interessada em fazer de Minas – ou do Brasil – um lugar decente para se viver. Portugal não tinha um projeto para a colônia; queria apenas lucrar o máximo possível da forma mais rápida e com o menor custo”, lembra Lucas. Mesmo vivendo em um lugar onde a impressão de livros e a edição de jornais eram proibidos, intelectuais mineiros estavam por dentro do que acontecia na Europa e na América do Norte. O Iluminismo ganhava força, os Estados Unidos conseguiam sua independência após a Revolução Americana e, na França, o pescoço do rei começava a ser ameaçado pelas tramas que culminariam na Revolução Francesa.

A trajetória de Tiradentes ajudou a forjar o revolucionário tupiniquim. Numa época em que certos profissionais apostavam em tratamentos feitos com osso de coxa de sapo, dente de toupeira viva, gordura de rã ou pó de lagarto, foi um dentista competente, o que lhe abriu muitas portas. Atuando como mascate, também se aproximou de humildes e poderosos, além de conhecer a fundo as picadas de Minas e do Rio. Como militar, enfim, encontrou apoio para tramar contra o rei e sonhar com a liberdade.

Mas, não tem jeito, sempre que olhamos para a história do Brasil, notamos que o presente reflete muitos traços do nosso passado. Thomas Jefferson, um dos líderes da Revolução Americana, esteve à sombra dos revolucionários mineiros, já indicando uma dependência (ou, pior, subserviência) que viríamos a ter dos Estados Unidos. A Justiça, por sua vez, era assumidamente arbitrária. Leis estipulavam que os “homens bons”, “bem reputados”, os cidadãos de outrora, não deveriam ser importunados com processos ou prisões, mesmo que, por ventura, cometessem algum crime. Nesse ponto, dois séculos depois, estamos mais dissimulados, fingimos ter leis que se aplicam da mesma forma a qualquer brasileiro.

O final da história de Tiradentes todos conhecem. Apunhalado pelas costas, viu a revolução fracassar. Foi pintado como demente, bêbado, devasso…. Acusado de trair a sua majestade, passou anos preso. Alvo de um julgamento manipulado, terminou enforcado e esquartejado. Sobre seu cadáver, gente graúda enchia a boca para falar dos “benefícios da colonização” e as “delícias da subserviência”.

“No alto do patíbulo, enquanto o cadáver de Tiradentes pendulava preso à corda, o frei Penaforte recitou o versículo 20 do capítulo 10 de Eclesiastes: ‘Não digas mal do rei, nem mesmo em pensamento; mesmo sozinho dentro do teu quarto, não digas mal do poderoso. Porque um passarinho pode ouvir e depois repetir tuas palavras’. Terminada a leitura, em tom de repreensão, o frade apontou a causa de todo aquele horror: o ‘louco desejo de liberdade'”, escreve Lucas ao reconstituir a morte de seu biografado.

O louco desejo de liberdade. Num Brasil em que o próprio presidente bate continência para a bandeira de outro país e prega a favor da ditadura (ou seja, contra a liberdade de seu povo), a memória de Tiradentes se faz necessária. Num país em que o presidente diz ser a própria Constituição, olhar para o que acontecia em alguns cantos do mundo naquele final de século 18 pode ser inspirador.

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