Roteiristas: filmes sobre Richthofens são para entender as razões do crime
Rodrigo Casarin
23/10/2019 10h47
Em 2016, a Darkside lançou "Bom Dia, Verônica", thriller investigativo assinado por Andrea Killmore que já vendeu mais de dez mil exemplares. Na última Bienal do Livro do Rio de Janeiro, a editora, num encontro, revelou para o público quem são os dois autores por trás do pseudônimo: Ilana Casoy e Raphael Montes. Ilana é criminóloga e autora de livros como "Arquivos Serial Killers" e "Casos de Família: Arquivos Richthofen e Nardoni" (ambos publicados pela própria Darkside). Raphael, por sua vez, é escritor, autor de romances como "Suicidas", "Dias Perfeitos" e "Jantar Secreto" (Companhia das Letras).
Após a revelação, a Darkside lançou uma nova edição da obra, agora com o nome da dupla na capa. Além disso, prepara para o ano que vem o lançamento de "Boa Tarde, Verônica", a continuação do thriller. Não são só livros que Casoy e Montes escrevem a quatro mãos, no entanto. Ligados ao audiovisual, trabalham na transposição de "Bom Dia, Verônica" para as telas, numa adaptação produzida pela Netflix. Como roteiristas, assinam os textos de "A Menina que Matou os Pais" e de "O Menino que Matou Meus Pais", que adotam visões diferentes sobre o caso da família Richthofen. Os filmes serão lançados simultaneamente no ano que vem, mas já provocam discussões antes mesmo de chegar aos cinemas.
O longa, a produção do seriado e a escrita compartilhada são os temas da entrevista a seguir, também respondida a quatro mãos:
Como foi a escrita a quatro mãos de "Bom Dia, Verônica"? Quais as principais divergências que tiveram?
Criamos nosso método aos poucos. Pensamos a trama juntos, fazemos uma "escaleta" de cada passo, com todas as voltas e reviravoltas a que temos direito. Só depois trabalhamos em separado. Ilana enfrenta a página em branco, escreve a primeira versão; Raphael reescreve, cortando ou acrescentando informações. Depois o texto fica indo e vindo entre os dois, até que fique aprovado por ambos. Nossa parceria é rara porque temos talentos complementares, não disputamos o mesmo lugar de criação. Ilana é especialmente atenta a questões de verossimilhança, traz as situações para a realidade, graças a sua experiência de anos como criminóloga. Já Raphael foca no arco dramático, na evolução das personagens, nas maneiras de contar que geram surpresa e tensão. Para dar certo, uma parceria requer alguns ingredientes: não ter vaidade, ser humilde, escutar sempre, respeitar o tempo do outro… A harmonia deve prevalecer. Claro que as divergências existem, mas o importante é fazer as pazes sem desgaste.
"Bom Dia, Verônica" vai virar série da Netflix. Vocês já vislumbravam esse caminho quando escreveram a obra? Qual será a participação de vocês no roteiro e na produção da série?
Sonhávamos com essa possibilidade, sim. Alguns capítulos até chamávamos de "cena". Nós "assistimos" ao livro desde o começo. Na série, estamos muito presentes. Raphael assina a criação da série, a transposição do livro para o audiovisual. Trabalhamos juntos na sala de roteiro, Ilana assina o roteiro de três episódios, Raphael também. Por fim, atuamos como produtores-executivos, acompanhando de perto as gravações, sempre trocando ideias com os atores, os diretores, toda a equipe da Netflix e da Zola Filmes. É um trabalho coletivo, que envolve muitos talentos, mas reconhecemos nossa identidade ali.
Vocês também assinam o roteiro dos filmes sobre o caso da família Richthofen. Como foi trabalhar em cima de um crime que impactou tanto nossa sociedade?
Escrever esse roteiro a quatro mãos foi um privilégio. O crime ocorreu há quase 20 anos. Ilana estava lá durante todos os trabalhos de perícia, polícia e judiciário, viveu a realidade dos fatos. Raphael era tão jovem em 2002 (tinha doze anos) que estava "em branco" sobre o crime, sem ideias preconcebidas, aberto a ouvir sem julgamento. A leitura do processo com esses dois olhares trouxe uma nova perspectiva. Daí, tivemos a ideia de abordar a história a partir das duas versões apresentadas por Suzane [von Richthofen] e Daniel [Cravinhos, condenados pelo crime]. Felizmente, nossa proposta foi abraçada pelo diretor Maurício Eça e pelos produtores Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes, e Gabriel Gurman, da Galeria Distribuidora. É muito potente trazer uma nova reflexão para uma história que impactou tanto nossa sociedade e ainda é lembrada quando o assunto é violência.
Há quem veja na produção uma espécie de glamourização da Suzane, uma garota que assassinou seus pais. O que pensam desse tipo de reação?
A arte nunca deve ser censurada. Análises e críticas são bem-vindas, claro. De certa forma, Suzane sempre foi glamourizada pela mídia jornalística. O crime cometido por eles foi chocante, não há nenhum glamour nisso. Nos filmes, o objetivo é abordar o aspecto psicológico, mergulhar em camadas mais profundas que levaram ao trágico crime. Todas as matérias de jornal tratam do que veio depois do crime. Nossa abordagem é o que veio antes do crime. Juntos, Daniel e Suzane foram letais. Eles seriam assassinos se nunca tivessem se apaixonado?
Aliás, qual é a importância de termos nosso cinema produzindo longas desse tipo?
O cinema inspirado em crimes reais é muito popular em todo o mundo, mas raro no Brasil. Ao trabalharmos com esses casos, acabamos tratando de sociedade, violência, ser humano, família. São assuntos e discussões que extrapolam os fatos e chegam na essência. Filmes sobre casos reais são, antes de tudo, filmes sobre a violência humana, que infelizmente é universal. Ao apresentarmos as versões de Daniel e Suzane para o crime, confrontamos duas realidades opostas e lançamos a pergunta ao espectador: qual é a verdade? Como se chega a um crime brutal como esse? Só vendo os dois filmes o espectador poderá dar sua resposta.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.