Como um escritor catalão se transformou num símbolo da luta contra a Amazon
Rodrigo Casarin
22/10/2019 07h35
Em abril de 2017, o crítico literário e escritor catalão Jorge Carrión publicou "Contra Amazon.: Sete Razões/ Um Manifesto" na revista espanhola Jot Down. Aos poucos o texto se espalhou: primeiro por livrarias da Espanha, depois, em novembro, após ser traduzido para o inglês, entre livreiros, editores e apaixonados por livros de diversas partes do mundo. Em abril de 2018 o manifesto chegou ao Brasil. A tradução feita pelo também escritor Reginaldo Pujol Filho, publicada na Folha de São Paulo, viralizou nas redes – ou fez barulho na bolha formada por leitores, ao menos.
Apresentando argumentos como repúdio à hipocrisia, não querer ser bisbilhotado enquanto lê e "não ser cúmplice da exploração simbólica" e do "neoimpério", Carrión acabou na linha de frente da luta das pequenas livrarias pela sobrevivência e contra a gigante estadunidense que tudo tenta devorar. Havia lastro para tal posição. Quando publicou o manifesto, Jorge já tinha uma respeitável carreira como crítico – até há pouco escrevia para a edição espanhola do New York Times – e era um escritor premiado por conta do ótimo "Livrarias", publicado originalmente em 2013. Neste livro, o catalão narra suas perambulações pelo mundo para conhecer as pequenas lojas de livros, aquelas que costumam evidenciar a alma de seus livreiros e funcionam como um refúgio intelectual para seus clientes – o título saiu no Brasil pela Bazar do Tempo, já escrevi sobre ele aqui.
Agora, o manifesto ganhou ainda mais corpo e foi transformado em um livro que acaba de ser lançado. "Contra Amazon" (Galáxia Gutenberg, ainda sem tradução para o português) reúne o famoso brado publicado por Carrión em 2017 e outros 16 textos selecionados pelo autor entre artigos, ensaios, entrevistas e crônicas que escreveu sobre o universo livreiro nos últimos anos – em muitos deles, para surpresa do próprio crítico, havia alguma menção à Amazon.
"Parece impossível escrever sobre o protagonismo do mundo do livro no século 21, sobre as livrarias independentes e as bibliotecas mais instigantes ou inovadoras, sobre as constelações de leitores que seguem acreditando no papel, sem pensar na Amazon como nossa antagonista", registra no texto de apresentação da obra. É a "marca mais icônica e mais eloquente, a que alterou – e frequentemente violentou – com mais força as relações tradicionais entre leitores e os livros".
Em recente entrevista ao jornal "Diario 16", Carrión se mostrou otimista com o futuro das pequenas livrarias. Confia que as autoridades farão algo contra monopólios formados não só pela Amazon, mas também por gigantes como Facebook e Google, e que o livro impresso recuperará parte de sua importância. "As bibliotecas seguirão sendo, suponho, um contrapeso poderoso. Porque o ser humano é feito, atualmente, de carne e de pixel, de papel e de tela". Só que pondera: "É bom imaginar que mundo queremos que exista dentro de dez ou vinte anos. Se nele vislumbramos livrarias, temos que comprar livros nelas agora. Se não, deixam de existir […]. É importante entender a necessidade de apoiar economicamente projetos que queremos que sobrevivam".
Por mais que Carrión tenha um lado e assuma sua posição na trincheira, mostra que também está atento aos problemas das livrarias independentes. Voltando à introdução de "Contra Amazon", ali revela que seu "Livrarias" não é vendido na Lello, da Cidade do Porto, em Portugal (famosa por ter inspirado J. K. Rowlling e frequentemente apontada como a livraria mais bela do mundo) porque, dentre outros motivos, a editora local se recusou a ilustrar a capa da edição portuguesa do livro com uma foto da própria Lello. O autor afirma que "Livrarias" também não é comercializado na Shakespeare and Company, ícone parisiense. A razão? "Conto a verdadeira história de George Whitman [primeiro proprietário da livraria e figura cuja história factual e mítica divergem um tanto] e menciono como fontes outros títulos que também não são vendidos nessa livraria".
Nesse sentido, o autor faz um apelo: "A censura está em todas as partes. A Amazon e as grandes plataformas digitais não são nossos únicos antagonistas. Temos que seguir lendo e viajando. E permanecer atentos".
Ironicamente, "Contra Amazon" está à venda na Amazon espanhola por 10,44 euros e na Amazon dos Estados Unidos por 29,46 dólares.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.