A altivez e a ironia de Monteiro Lobato nos 90 dias em que passou na prisão
Rodrigo Casarin
31/05/2019 10h42
Ao longo de sua vida, uma das bandeiras que Monteiro Lobato mais defendeu foi a da importância de o Brasil se estruturar para explorar o petróleo disponível em terras nacionais, evitando que empresas estrangeiras – e outros países, consequentemente – usufruíssem do bem escondido em nosso subsolo. No começo da década de 1940, já no final da vida, essa causa acabou levando Lobato para trás das grades.
Mais uma vez insatisfeito com as políticas públicas direcionadas ao setor, o escritor enviou cartas ao ditador Getúlio Vargas e a outros figurões do governo acusando os mandatários de colaborarem para os interesses de petrolíferas estrangeiras em detrimento das empresas nacionais. Getúlio e os seus comparsas tomaram as palavras de Lobato como injuriosas. Um processo foi instalado e, no ano seguinte, em março de 1941, o escritor foi detido sob a acusação de ser contrário à segurança do Estado e à ordem social. Aos 57 anos, passou 90 dias trancafiado no presídio Tiradentes, em São Paulo.
Calejado, o escritor enfrentou a prisão com "altivez e a ironia", aponta Ovídio Poli Junior, graduado em Filosofia e doutor em Literatura Brasileira pela USP. Em seu doutorado, Ovídio estudou o encarceramento de escritores ao longo do Estado Novo (de 1937 a 1946), com ênfase na detenção do criador do Sítio do Picapau Amarelo. "Lobato transformou o cárcere em escritório: recebeu visitas, denunciou atrocidades cometidas contra os presos comuns e escreveu cartas marcadas por extremo sarcasmo, uma das quais fez com que permanecesse um tempinho extra como prisioneiro, tomando café com canequinha. Lobato não se abateu, não se deixou tomar por vítima: desafiou seus algozes", conta.
Autor de títulos como "O Caso do Cavalo Probo" e "A Rebelião dos Peixes" (ambos publicados pelo Selo Off Flip), Ovídio agora prepara um livro justamente sobre o período em que o nacionalista esteve preso. Em "Um Jeca na Prisão – A Ironia Incendiária de Monteiro Lobato", que busca financiamento coletivo, promete mostrar ao leitor a perseguição que o autor de "Cidades Mortas" sofreu na sua luta em defesa do petróleo, apresentar os motivos que o levaram à detenção e contar um pouco da rotina do escritor ao longo dos três meses privado de liberdade.
"O primeiro livro que li foi 'O Poço do Visconde', um tratado de geologia para crianças, uma pequena epopeia com os personagens tentando encontrar petróleo no Sítio do Picapau Amarelo. Quando cursava o doutorado, descobri que esse livro foi também motivo de sua prisão, além de um dossiê que Lobato publicara alguns anos antes e de uma carta-denúncia que escreveu ao presidente Vargas", diz Ovídio. "Lobato foi preso por querer dar petróleo ao Brasil e foi perseguido implacavelmente pelo alto escalão do governo Vargas. No início dos anos 40, o petróleo representava domínio econômico estratégico", complementa.
Na visão do pesquisador, é importante que os brasileiros saibam que um dos nossos mais importantes e influentes escritores, que "lutou ferozmente pelo desenvolvimento econômico" do país, já no final da vida foi transformado em "preso político". A perseguição do Estado prosseguiu mesmo depois de Lobato ser solto, com a polícia apreendendo parte de seus livros – até a famosa adaptação do escritor para o clássico infantil "Peter Pan", originalmente escrito pelo britânico J. M. Barrie, entrou na dança.
Voltando aos dias em que Lobato esteve detido, da prisão o escritor continuou se relacionando com seus leitores. De todo o material que pesquisou em arquivos de instituições como USP e Unicamp para a produção do doutorado e de "Um Jeca na Prisão", Ovídio destaca uma carta escrita pelo autor em resposta à mensagem que tinha recebido de uma criança de Manaus. "É belíssima essa breve troca de cartas entre o escritor [quase] sexagenário e sua leitora de oito anos".
Mesmo da cadeia, Lobato seguiu combativo, permaneceu atacando as ideias que considerava problemáticas para o Brasil. Ovídio considera essa postura um exemplo inclusive para o momento em que estamos vivendo no país, com mandatários frequentemente atacando a educação e as artes, enquanto pregam a utilização da violência, da força bruta. "Sem educação, ciência, arte e cultura não chegaremos a lugar nenhum: voltaremos a dar golpes de tacape uns nos outros como no tempo das cavernas".
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.