Jair Bolsonaro participará da entrega do prêmio Camões a Chico Buarque?
Rodrigo Casarin
22/05/2019 10h22
E o Camões deste ano foi para Chico Buarque. Criado em 1988 para premiar autores pelo conjunto da obra, chegou a Chico por conta do "caráter multifacetado" de seu trabalho, conforme apontou uma nota distribuída pelos membros do júri: os brasileiros Antonio Cícero e Antônio Carlos Hohlfeldt, os portugueses Manuel Frias Martins e Clara Rowland, o moçambicano Nataniel Ngomane e a angolana Ana Paula Tavares.
Fosse apenas pela novela "Fazenda Modelo" e pelos cinco romances – "Estorvo", "Benjamim", "Budapeste", "Leite Derramado" e "O Irmão Alemão" –, alguém até poderia dizer, com certa razão, que outros escritores da língua portuguesa mereciam levar a honraria antes de Chico. Mas colocando letras de músicas como "Construção" e "Cálice" na jogada – e ainda há o teatro –, torna-se impossível contestar o acerto do prêmio.
Impossível também não associar o Camões a Chico com o Nobel de Literatura destinado a Bob Dylan há três anos. No entanto, como escreveu o colega Sergio Rodrigues, o prêmio da língua portuguesa entregue ao brasileiro tem um lastro literário muito maior do que o prêmio universal entregue ao norte-americano. Agora, o que pode aproximar ainda mais Dylan e Chico é a reação (ou a falta dela) à distinção. Se o músico de lá praticamente esnobou o que lhe conferiu a Academia Sueca, talvez o Camões represente mais uma encheção de saco do que uma verdadeira alegria para o artista de cá, cada vez menos afeito a bajulações.
Em todo caso, torço muito para que Chico, 13º brasileiro a levar o galardão, tope encarar a cerimônia em sua homenagem. Fora a nomeação de Alberto da Costa e Silva, em 2014, das últimas vezes que o Camões veio para o país, mexeu com gente que andava entocada. Em 2012, ao escolher Dalton Trevisan, não conseguiu convencer o vampiro de Curitiba a pintar na premiação. Já em 2016, deu sorte: Raduan Nassar estava, de forma tímida, começando a reaparecer publicamente após décadas recluso num sítio no interior de São Paulo.
Se Chico anda cada vez menos afeito a badalações, como disse, também é inegável que leva uma vida pública muito mais agitada e predisposta a exposições do que Trevisan e Raduan. Então, supondo que estará no evento, quem apertará a mão do artista? Pergunto porque é comum que chefes de estado ou seus representantes de alto escalão prestigiem os vencedores do Camões. No ano passado, o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de parabenizar publicamente o cabo-verdiano Germano Almeida, o escolhido de então. Em 2013, só para citar outro exemplo, Dilma Rousseff esteve em Portugal para entregar a distinção ao moçambicano Mia Couto.
Já na cerimônia destinada a Raduan Nassar, coube a Roberto Freire, então ministro da Cultura, representar o governo de Michel Temer. Aí a coisa azedou. Após Raduan fazer duras críticas à politica de Temer, o ministro saiu em defesa do presidente e acabou discutindo com o homenageado. Agora nem Ministério da Cultura temos mais. Caberá, então, a Jair Bolsonaro, presidente da República, honrar o cargo que ocupa, superar divergências ideológicas e prestigiar o encontro dedicado a Chico, ferrenho defensor de Lula e do PT? Até aqui, nem em seu Twitter, canal preferido para a interação com o público, nosso mandatário máximo se manifestou sobre o principal prêmio literário de nossa língua destinado a um dos maiores artistas de nossa história.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.