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A Literatura Nazista na América traz “caricatura” de Olavo de Carvalho

Rodrigo Casarin

05/04/2019 10h24

Foto: Vivi Zanatta/ Folhapres

Luiz Fontaine da Souza é um pensador que refuta. Refutou Voltaire em livro de 1921. Quatro anos depois, refutou Diderot. Em 1927 foi a vez de D'Alembert ser refutado pelo carioca que nasceu em 1900. Montesquieu, Rousseau, Hegel (que costuma confundir com Kant), Marx e Feuerbach também mereceram sua atenção e contra-argumentação. Já de Sartre preferiu atacar tópicos da introdução de "O Ser e o Nada". Em "A Questão Judaica na Europa Seguida de um Memorando Sobre a Questão Brasileira", Fontaine destilou racismo para alertar perigos que espreitavam o Brasil: a desordem, a criminalidade, a promiscuidade… Críticos chegaram a considerar seus trabalhos patéticos, apesar de ter recebido elogios por conta de aventuras na ficção. De volta à filosofia, "A Prova Ontológica" e "O Ser em Si" – aquele sobre Sartre – foram solenemente ignorados entre filósofos e acadêmicos.

Só faltou Fontaine incensar a obra crítica de Otto Maria Carpeaux – com ressalvas ao que produziu no final da vida – e se deslumbrar com o poeta Bruno Tolentino para que tivéssemos uma caricatura ainda mais semelhante a Olavo de Carvalho, o guru do governo Bolsonaro. Tal qual o autor de "O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não ser um Idiota" e "O Imbecil Coletivo" (sobre o qual falei aqui), Fontaine aparenta ter certeza de que é um dos poucos gênios de sua espécie, olhando para o mundo com uma clareza que meros mortais – e consagrados filósofos – jamais conseguiria enxergar.

Bem… Entre tantas refutações, o refutador profissional passou quatro meses internado numa clínica para doentes mentais em Petrópolis, em 1935, para onde retornou em 1940 para uma temporada mais longa, de três anos. Décadas mais tarde, em 1963, irmãos e sobrinhos se viram obrigados a levá-lo novamente para um sanatório, onde permaneceu até 1970. Pelo que sabemos, jamais alguém questionou formalmente a saúde mental de Olavo de Carvalho ou cogitou interditá-lo, o que já é uma vantagem se comparado a Fontaine.

Acontece que enquanto Olavo está aí ditando rumos da política nacional, Fontaine não passa de um personagem de Roberto Bolaño, um dos mais de 30 nomes que integram "A Literatura Nazista na América", há pouco publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Com a extrema-direita em ascensão por aqui, não poderia haver momento mais oportuno para essa coletânea de perfis fictícios lançada originalmente em 1996, oito anos antes da morte de Bolaño, chegar às mãos dos nossos leitores. Na obra, o chileno consagrado por títulos como "Os Detetives Selvagens" e "Noturno do Chile" cria histórias de intelectuais do nosso continente que seriam abertamente fascistas e adeptos dos ideais nazistas – e em nenhum momento a ideologia de Hitler é posta como algo de esquerda, vale dizer, por mais óbvio que isso seja.

Além de Fontaine, outro brasileiro faz parte da reunião de desprezíveis: Amado Couto, que nasceu em 1948 e seguia pensando em literatura mesmo enquanto trabalhava como torturador em Esquadrões da Morte; obcecado por Rubem Fonseca, chegou a cogitar sequestrar o autor de "Feliz Ano Novo" e "Agosto". No volume ainda temo chilenos, argentinos, guatemaltecos, mexicanos… todos agrupados em conjuntos como "Precursores e anti-iluministas", "Os poetas malditos", "Magos, mercenários, miseráveis" e "A confraria ariana".

Apesar da involuntária e surpreendente semelhança entre Fontaine e um nome atualmente em evidência no nosso país, o destaque mesmo de "A Literatura Nazista na América" fica para o capítulo "Os fabulosos irmãos Schiaffino", que traz os perfis de Italo Schiaffino e Argentino Schiaffino, mais conhecido como "O Gordo". O primeiro foi um poeta esforçado que amava tanto a literatura quanto o futebol e virou líder de uma barra brava do Boca Juniors (senti falta do termo "barra brava" na tradução de Rosa Freire d'Aguiar, aliás). Já Argentino seguiu os mesmos passos de Italo, seu irmão mais novo, mas atingindo outros patamares. Como líder da barra, transformou-se em um dos torcedores mais influentes, respeitados e temidos do país; enquanto poeta, enalteceu os militares golpistas e teve seu nome atrelado à enigmática editora El Cuarto Reich. Abuelo e Rafa Di Zeo não fariam melhor.

Com o ótimo "A Literatura Nazista na América", Bolaño mostra que ideias nefastas estão por aí, às vezes sendo gritadas por algum desequilibrado que consegue encontrar seus pares, outras vezes sendo fomentadas por pessoas aparentemente comuns e que até emulam inteligência. Em muitos casos o monstro está ao nosso lado, mas não percebemos porque esperamos por um treco verde de oito olhos e babando, não um apresentável jovem que frequenta as melhores residências da cidade ou uma talentosa poeta que foi "uma menina encantadora e vistosa, uma adolescente gorda e pensativa e uma mulher alcoólatra e infeliz".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.