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Nobel de Literatura retroativo soa como tentativa de apagar escândalos

Rodrigo Casarin

08/03/2019 10h50

Jean-Claude Arnault.

Um escândalo sexual se transformou em peça-chave para que o Nobel de Literatura não fosse entregue no ano passado. Agora, a Academia Sueca anunciou que proclamará dois vencedores neste ano, sendo que uma das premiações será relativa a 2018. A meu ver, a entidade comete um grande erro.

Assim que confirmaram que nenhum escritor levaria a honraria no ano passado, comentei que era uma boa oportunidade para que a Academia repensasse a anualidade da distinção. Nas últimas ocasiões, enquanto ignoravam Philip Roth, concediam a honraria – uma espécie de selo máximo de qualidade entre muitos leitores – a nomes questionáveis como Svetlana Alexievich, formalmente repetitiva, Bob Dylan, cuja praia principal é a música, e Patrick Modiano, autor tão insosso quanto tofu. Em que pese grandes nomes jamais premiados, era o momento de refletir se do mundo abarcado pelos olhos da Academia (que despreza a literatura produzida na maioria das línguas do planeta) realmente desponta a cada 365 dias alguém que mereça o retumbante selo de "vencedor do Nobel" estampando as capas de seus livros.

Bem, com a confirmação do prêmio deste ano e o anúncio de que teremos o galardão retroativo, fica claro que os membros da Academia Sueca que eventualmente leem este blog desprezaram completamente o que sugeri. Não tem problema, que sigamos com o Nobel anual.

Agora, nomear em 2019 alguém como vencedor de 2018 me parece uma clara tentativa da premiação soterrar os escândalos que fizeram com que não houvesse premiado algum anunciado no ano passado. É um desrespeito tanto com as mulheres que denunciaram os abusos de Jean-Claude Arnault (artista bastante próximo à Academia Sueca, também acusado de crimes financeiros e de ter vazado o nome dos nobelizados de algumas edições) quanto com os membros que se afastaram da entidade por conta do ocorrido, forçando o cancelamento que se transforma num simples adiamento. Com o passar do tempo, a tendência é que todo o episódio se torne mera nota de rodapé na história do Nobel, infelizmente. Ainda que simbolicamente, seria muito mais justo com os envolvidos no episódio – principalmente as vítimas de Arnault – se para sempre tivéssemos o campo "vencedor de 2018" em branco.

Não bastasse, ainda teremos as atenções divididas entre dois vencedores. Ou, pior, um eventual nome mais famoso soterrando algum autor menos conhecido ou midiático. Mas, sabemos, não é de hoje que a Academia Sueca gosta de tomar decisões um tanto questionáveis com a principal premiação literária do planeta.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.