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Livro de estreia da “contista de 1 milhão de dólares” não passa de medíocre

Rodrigo Casarin

08/02/2019 10h36

Crédito: Elisa Roupenian.

Em dezembro de 2017 a New Yorker pariu um fenômeno literário. Ninguém conhecia a norte-americana Kristen Roupenian até que a revista publicasse "Cat Person", que rapidamente se espalhou pelo mundo virtual e se tornou o conto mais acessado do site da publicação naquele ano. Na bolha literária, era raro encontrar alguém que não tivesse uma opinião positiva sobre a história de uma garota de 20 anos que se envolve com um homem de 34. Aquela era a narrativa que, enfim, conseguia capturar com perfeição o espírito do nosso tempo, alguns chegaram a cravar.

Com o barulho gerado, Kristen fechou contratos para o seu livro de estreia, inclusive com a HBO para adaptações à televisão. O mais impressionante deles, entretanto, foi com a britânica Simon & Schuster, que lhe antecipou a bagatela de US$ 1 milhão por uma coletânea com 12 contos. No Brasil, quem garantiu os direitos pela obra da melhor escritora de todos os tempos de dezembro do ano retrasado foi a Companhia das Letras, que há poucas semanas lançou, enfim, "Cat Person e Outros Contos". E a decepção não poderia ser maior.

Antes das pedras é preciso reconhecer que o badalado "Cat Person" é mesmo muito bom. No conto, Kristen nos apresenta Margot, uma atendente de bomboniere que dá em cima de Robert, um homem levemente rechonchudo e nem tão atraente assim. Constroem uma relação via trocas de mensagens por celular e, no mundo virtual, tudo parece ir muito bem. Quando derradeiramente se encontram, no entanto, a expectativa criada não se cumpre e Margot vive uma noite desastrosa. Neste conto, Kristen se mostra habilidosa para abordar temas como paixonites de nossos dias, o mundo virtual versus o real, machismo, distância entre gerações e a expectativa que recaí sobre uma mulher quando ela aceita ir para a casa de um homem.

Acontece que o próprio "Cat Person" seria ainda melhor se tivesse algumas linhas a menos, deixando para o leitor um final mais aberto. E aqui está um dos problemas mais evidentes de Kristen: mesmo quando as coisas andam bem, ela tem um inegável talento para construir finais problemáticos – ou lamentáveis mesmo. Se isso já é prejudicial nos poucos contos realmente bons do volume, imagine naqueles que oscilam entre o razoável, o fraco e o medonho… Olhando para o todo, "Cat Person e Outros Contos" não passa do medíocre.

Boa parte dos elementos explorados pela autora são oportunos: desejo, relações tóxicas, homens babacas, as diversas formas como o sexo pode ser violento, vingança, o horror cotidiano… Só que quase tudo é desperdiçado em narrativas desequilibradas, com um olhar muitas vezes ingênuo, quase juvenil. Indo ao encontro do problema com os finais, é constante a impressão de que os contos de "Cat Person" precisariam de mais – ou algum – tempo de gaveta para que amadurecessem, além de uma boa edição. A sensação é que fez falta para Kristen alguém para dizer: Tem certeza de que é esse o caminho ideal para essa história? Tem certeza de que apostará nessa solução tosca? Do jeito que o trabalho se apresenta, é legítimo que o leitor imagine que chegaram na autora e falaram: Tó aqui a pilha de dinheiro, agora me entregue um livro para ontem; não podemos deixar seu nome esfriar.

É claro que a escritora, hoje com 38 anos e confirmada como atração da Flip 2019, não tem culpa alguma se lhe ofereceram a tranquilidade financeira para uma vida por conta da repercussão de "Cat Person". E é evidente que essa é uma aposta mercadológica, não artística. Em todo caso, uma reflexão é inevitável: se Kristen Roupenian com seus contos capengas vale US$ 1 milhão por aí, quanto devem (ou deveriam) valer contistas excelentes como a canadense Alice Munro, a russa Liudmila Petruchévskaia e o nosso Sérgio Sant'Anna?

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.