Crânio da computação alerta: rede social está te transformando em um babaca
Rodrigo Casarin
08/11/2018 10h42
Não foi fácil passar todo o período da campanha eleitoral vendo pessoas queridas (ou até então queridas) compartilhando um mundo de bobagens e destilando ignorância e preconceitos diversos principalmente por WhatsApp e Facebook. Tenho certeza de que não fui o único a ter vivido esse desgosto.
Na mesma semana em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, caiu-me nas mãos um livro que veio muito bem a calhar (se não para colocar em prática imediatamente o que prega o título, ao menos para refletir): o recém-lançado "Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais" (Intrínseca), de Jaron Lanier, que há anos se tornou um crítico dos caminhos que a internet tem trilhado.
Cientista da computação, Jaron fundou nos anos 1980 a VLP Research, uma das precursoras da realidade virtual. Nome dos mais respeitados do Vale do Silício, é autor também de livros como "Bem Vindo ao Futuro" e "Gadget – Você não é um Aplicativo", já foi apontado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo e hoje presta serviços para a Microsoft. Ou seja, é alguém um tanto gabaritado para falar sobre o tema, pode acreditar.
"Como permanecer independente em um mundo onde você está sob vigilância contínua e é consequentemente estimulado por algorítimos operados por algumas das corporações mais ricas da história, cuja única forma de ganhar dinheiro é manipulando o seu comportamento?", questiona o autor. A saída encontrada por Jaron foi deixar as redes sociais, única forma de realmente proteger seus dados pessoais e ficar distante das manipulações que ele explica ao longo da obra.
Com estímulos individualizados e continuamente ajustados, as redes sociais, compara, transformam os usuários em cachorros adestrados. Curtidas, compartilhamentos, comentários, emojis e afins são o biscoito que cada um ganha quando se porta direitinho nesses ambientes, enquanto seu comportamento vai sendo mapeado. Os algorítimos, por sua vez, não param de mudar. Estão sempre em busca da melhor maneira de prender o indivíduo à matilha e, ao mesmo tempo, torná-lo cada vez mais suscetível a diversos tipos de propagandas – que vão desde de produtos banais até ideologias bizarras.
Além disso, as redes também minam a felicidade das pessoas, diz o autor, o que muita gente por aí também já deve ter comprovado. "Sua capacidade de conhecer o mundo, de saber a verdade, tem sido degradada, assim como a capacidade do mundo em conhecê-lo. A política e a economia ultrapassaram os limites da realidade; a primeira assumiu uma condição assustadora, enquanto a segunda se tornou insustentável: os dois lados da mesma moeda". Familiar, não?
Olha esse outro trecho, então: "As pessoas estão aglomeradas em grupos paranoicos porque podem ser mais fácil e previsivelmente influenciadas. A aglomeração é automática, estéril e, como sempre, estranhamente inocente […]. A paranoia acaba sendo, como de costume, uma maneira eficiente de reunir a atenção".
Como um exemplo drástico de onde essa paranoia chegou, Jaron recorda do caso nos Estados Unidos em que uma pessoa disparou tiros em uma pizzaria por acreditar no boato espalhado pela internet de que uma rede de prostituição infantil operava a partir do porão do lugar. Se antes loucuras do tipo aconteciam aqui e ali, hoje elas estão cada vez mais frequentes. "A velocidade, o idiotismo e o crescimento exponencial das falsas percepções sociais têm sido amplificados a ponto de as pessoas com frequência parecerem já não estar vivendo no mesmo mundo, o real".
Amontoando-se em ambientes onde emoções negativas como o medo e a raiva são as mais amplificadas porque geraram engajamento de maneira mais fácil, o cientista argumenta que comportamentos tribais acabam sendo fortalecidos, as pessoas, como já disse, perdem-se enquanto indivíduos e passam a alimentar um sistema que apela para nossos sentimentos mais primitivos, tudo isso em troca de atenção. "Sem outra riqueza a ser conquistada além da atenção, as pessoas comuns tendem a se tornar imbecis, já que os holofotes sempre apontam primeiro para os mais babacas".
O apelo que Jaron faz – e embasa muito bem ao longo das quase 200 páginas da obra – é bastante incisivo: "Não conheço você. Não estou dizendo que você pessoalmente está virando um completo imbecil, mas muitas pessoas estão, e mesmo assim elas parecem acreditar que isso só está acontecendo com os outros. Eu vi que estava me tornando um babaca na internet e fiquei muito mal, foi assustador. Portanto, o que eu deveria dizer é algo como 'você corre o risco de se tornar aos poucos um babaca, ou, segundo as estatísticas, você pode muito bem se tornar um babaca. Assim sendo, não se ofenda, mas, por favor, leve a sério essa possibilidade".
Eis os dez argumentos contra as redes sociais que o autor destrincha ao longo do livro:
– Você está perdendo seu livre-arbítrio
– Largar as redes sociais é a maneira mais certeira de resistir à insanidade dos nossos tempos
– As redes sociais estão tornando você um babaca
– As redes sociais minam a verdade
– As redes sociais transformam o que você diz em algo sem sentido
– As redes sociais destroem sua capacidade de empatia
– As redes sociais deixam você infeliz
– As redes sociais não querem que você tenha dignidade econômica
– As redes sociais tornam a política impossível
– As redes sociais odeiam sua alma
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.