Livro de Gisele Bündchen é panfleto ecológico misturado com autoajuda
Rodrigo Casarin
17/10/2018 11h59
Gisele Bündchen tinha 23 anos quando, num final de semana, interrompeu a massagem que recebia e foi até o terraço do seu apartamento, no nono andar de um prédio em Nova York. Fazia algum tempo que a modelo sofria de ataques de pânico e tinha a sensação de que tudo a enjaulava – aviões, elevadores, estúdios fotográficos, a própria casa… Então, do alto do prédio, olhando para as luzes da cidade, pensou: "Quem sabe vai ser mais fácil se eu simplesmente pular. Tudo vai passar. Eu posso me livrar de tudo isso".
Junto da morte de Vida, cachorrinha que foi sua grande companheira durante importante parte de sua carreira, o flerte com o suicídio é o momento mais dramático de "Aprendizados – Minha Caminhada para Uma Vida com Mais Significados", autobiografia da supermodelo publicada pela BestSeller.
Hoje com 38 anos, o que salvou Gisele das crises de pânico que a fizeram pensar em colocar um ponto final na existência foi a ioga, prática que ocupa parte considerável da obra. Aliás, resumindo em poucas palavras, o livro é isso: uma autoajuda na qual Gisele se apoia na história da própria vida para panfletar em favor da natureza, falar sobre os incontáveis benefícios da meditação e da ioga e fazer proselitismo pelos hábitos saudáveis na alimentação. Nada contra nenhuma dessas linhas defendidas – acho, inclusive, que proteger a natureza é uma de nossas grandes obrigações atualmente -, mas o excesso como tudo é martelado cansa o leitor.
"Para mim, a ioga, como a meditação, me ajuda a permanecer presente. É como estar constantemente no papel de observadora de mim mesma, atenta a cada sentimento. Quando desembarco de um voo longo, posso fazer algumas posturas simples de saudação ao sol ou uma sequência para a abertura dos quadris"…. "Se estiver considerando fazer ajustes à sua alimentação, minha principal recomendação é evitar o açúcar e alimentos industrializados. Tente comer o máximo de comida 'de verdade' e produzida 'localmente' que você puder"… "Quando maltratamos a natureza, maltratamos a nós mesmos. Sem dúvida, a natureza percebe a nossa falta de consciência, e os incontáveis meios pelos quais a estamos explorando e destruindo, mas ela simplesmente continua sendo nossa provedora"… E assim vai.
O que também cansa um tanto é excesso de situações repetidas. Optando por contar a história de maneira não linear, vira e mexe Gisele volta aos mesmos momentos de sua vida para mostrar de onde vem as lições que aprendeu. Chega uma hora que não aguentamos mais as passagens iguais ou bastante semelhantes vivenciadas em Tóquio, Nova York, no lar que divide com o marido e os filhos ou durante a infância em Horizontina, no interior do Rio Grande do Sul.
Mas vamos aos tais aprendizados. Contando ter vivido temporadas nas quais trabalhava até 350 dias por anos, Gisele afirma que quatro passos foram fundamentais em sua carreira: a clareza em querer ser a melhor no que fazia, o foco para que conseguisse se doar o quanto fosse preciso para alcançar suas metas, a dedicação para não se desviar do caminho a ser trilhado e a humildade para que o sucesso não trouxesse deslumbramentos. Ainda, dentre outras coisas, ressalta a importância de policiar a própria cabeça:
"Todos precisamos ter cuidado com onde escolhemos colocar nossa atenção – e nossa atenção sempre começa com nossos pensamentos. Quando acreditamos que uma coisa é verdade, mais perto ela fica de se tornar verdade. Se temos uma opinião desfavorável a nosso próprio respeito, cada interação que tivermos será afetada por essa crença. Se enfrentarmos situações com confiança, nossa autoestima vai causar um impacto em todos ao nosso redor".
Pelo menos há aqui e ali em "Aprendizados" alguns momentos que podem levar eventuais leitores a algumas reflexões ligeiramente profundas. Como aqui: "A maioria das pessoas me conhece apenas como uma imagem, um objeto, uma tela em branco na qual podem projetar suas próprias histórias, seus sonhos, suas fantasias – o que, ironicamente, era a mesma abordagem que eu adotava no trabalho quando me tornei 'ela'. Por 23 anos, também fui uma imagem sem voz. Tenho isso em comum com muitas mulheres. Quantas vezes nos passaram a mensagem de que nossas vozes não valiam a pena ser ouvidas, seja quando somos ignoradas numa reunião, ou criticadas nas redes sociais, ou reduzidas a um conjunto de partes corporais?"
Ou aqui, onde questiona a maneira como a religião lhe foi ensinada: "Um dia, numa aula de religião, quando tinha uns 12 ou 13 anos, estávamos estudando o Levítico, e levantei a mão. Como a lei do 'olho por olho, dente por dente' podia existir ao mesmo tempo em que Jesus nos ensinava a amar nossos inimigos e sempre oferecer a outra face? Como isso funcionava? Eu não estava tentando bancar a espertinha, mas aquilo simplesmente não fazia sentido. Em vez de responder à minha pergunta ou iniciar um debate, a professora pareceu surpresa, depois frustrada, e me mandou para a diretoria. Eu não achava que tinha feito nada de errado! (E continuo não achando.)"
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.