Tudo por dinheiro: Livro mostra como Silvio Santos forjou sua história
Rodrigo Casarin
14/09/2018 09h47
Cresci cercado por admiradores e fãs de Silvio Santos. Já adulto, conheci gente do SBT que nutre devoção pelo patrão, uma espécie de variante da Síndrome de Estocolmo. Da minha parte, nunca fui grande entusiasta do cara. Sempre achei um apresentador sem graça, cheio de piadas toscas e de mau gosto. Também sempre achei sórdido jogar notas em formato de aviãozinho para ver a plateia se engalfinhando pela grana. Ler agora "Topa Tudo Por Dinheiro – As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos", que o jornalista, crítico de TV e blogueiro do UOL Mauricio Stycer acaba de lançar pela Todavia, me ajudou a compreender melhor o sujeito.
"Nenhum outro empresário de comunicação, com exceção talvez de Assis Chateaubriand, se expôs publicamente tanto quanto ele. Mas também nenhum outro dono de televisão alimentou tantos mitos e disseminou tantas informações incompletas ou erradas a respeito de si próprio. Para piorar, Silvio Santos já foi objeto de seis biografias, e nenhuma delas questiona ou destaca furos, lapsos, erros ou, simplesmente, mentiras ditas ou escritas a respeito do dono do SBT", escreve o jornalista já no final do volume.
Pois no livro Stycer se dedica a, em grande parte, debruçar-se sobre a trajetória (especialmente a profissional) de Silvio e apontar inconsistências e situações mal explicadas da história do personagem. Ao cabo, o que temos é uma espécie de estudo biográfico que apresenta ao leitor não apenas como Silvio Santos arquitetou seu império, mas também como forjou boa parte de sua vida pública. "A sua história é a de um vendedor que vislumbrou na comunicação a ferramenta mais eficaz para promover os seus produtos. Descontada toda a mitologia criada a seu respeito, Silvio sempre adotou duas 'personas', por assim dizer, para transitar em duas estradas paralelas – o comércio e a promoção", escreve o autor.
Na obra fica claro o emaranhado de informações questionáveis ou não comprováveis que há na história de Silvio. São elementos que mudam conforme o gosto, o humor ou o interesse do próprio apresentador e que evidenciam como o empresário sabe quão importante é construir uma imagem que agrade seu público, independente dessa imagem ser sustentada pelos fatos. Um exemplo cabal? As décadas que passou dizendo ter cinco anos a menos do que realmente tem, que foi o ponto de partida para que Stycer analisasse com desconfiança os dados biográficos:
"O meu interesse por esse assunto começou, há anos, pela questão da idade. Por que Silvio Santos mentia a idade? Só em 1987, perto dos 57 anos, ele falou abertamente sobre a sua idade verdadeira. Puxando esse fio, fui percebendo como ele construiu boa parte da mitologia que existe a seu respeito, sem muitas testemunhas, lapidando algumas versões que tornam seus feitos da juventude e início da vida adulta ainda mais heroicos".
Em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 1970, quando ainda alugava espaço na programação da Globo para tocar seus programas, Silvio afirmou que acreditava que a adoração dos funcionários se devia à sua "lealdade e autenticidade. Porque eu trabalho para uma empresa que, por coincidência, é minha. O Silvio Santos é um produto meu". Como disse, que o personagem Silvio é um produto do empresário Silvio é algo que fica evidente ao longo do livro. Agora, que o "patrão" é um mero funcionário de sua empresa é uma afirmação que não para em pé, como diversos casos de ordens arbitrárias e estrategicamente questionáveis comprovam – o capítulo dedicado ao jornalismo da casa apresenta uma série de episódios nesse sentido.
Também merecem destaque os momentos da obra no qual Stycer mostra a relação do empresário com a política. Primeiro, enquanto trabalhava para ter a concessão de sua emissora, prometia aos militares que encabeçavam a ditadura que faria a televisão que "o povo e o governo gostariam de ter". O puxa-saquismo com quem esteve ou está no poder se manteve mesmo após a redemocratização, com direito a encontros um tanto escusos e oportunos com alguns presidentes (em especial durante a ruína de seu Banco Panamericano). Já do Silvio Santos que chegou a ser até candidato à presidência, o que temos são momentos de comédia involuntária. Como define o autor, a "história de Silvio na política é a de uma pessoa aparentemente ignorante, sonsa e leviana", uma espécie de precursor de Donald Trump, mas que não conseguiu se eleger para nada.
Não que Stycer se dedique a achincalhar o empresário e apresentador durante o livro. Há momentos de admiração e reconhecimento pelo trabalho de Silvio, o maior nome vivo da história de nossa televisão. Em todo caso, termino a leitura "Topa Tudo Por Dinheiro" tendo muito mais confirmado minhas impressões do que encontrado argumentos que justifiquem toda a devoção que há pelo personagem Silvio Santos.
Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter e pelo Facebook.
Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.