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A série de assassinatos de indígenas milionários que levou à criação do FBI

Rodrigo Casarin

17/08/2018 07h58

Após o final da Revolução Americana, em 1783, a população dos Estados Unidos passou anos se opondo à criação de departamentos policiais, temendo que essas instituições se tornassem instrumentos do Estado para a repressão. Quem "combatia" rotineiramente o crime eram cidadãos comuns que faziam as vezes de heróis para perseguir suspeitos. Apenas em meados do século 19, com o crescimento das cidades e o aumento dos problemas com a lei, que norte-americanos passaram a temer mais potenciais bandidos do que o próprio Estado, o que levou à criação das primeiras organizações de polícia do país.

Tempo depois, em 1908, o presidente Theodore Roosevelt fundou o Bureau of Investigation, responsável por zelar pelas leis federais, mas ainda sem uma estrutura que permitisse que as ações estivessem diretamente atreladas ao governo. O que muda a configuração dessa organização policial nos Estados Unidos é uma história que diz muito sobre a própria formação de tal nação.

Durante o século 19, os osages foram tocados pelos brancos das terras que habitavam e obrigados a procurar por um novo canto para viver. Quando encontraram uma região com o solo rochoso, inadequado para qualquer cultivo e aparentemente sem valor algum, deram-se por satisfeitos. "Meu povo será feliz nesta terra. O homem branco não pode pôr ferros no solo aqui. O homem branco não virá para esta terra. Aqui há muitas montanhas […]. o homem branco não gosta da terra onde há montanhas, e não virá", chegou a declarar um chefe osage.

Os indígenas alcançaram essas terras pedregosas, localizadas no nordeste do estado de Oklahoma, no começo da década de 1870. Anos mais tarde, no entanto, descobririam que a previsão de seu líder estava equivocada. Aquela região aparentemente inóspita escondia em seu subterrâneo algo que os homens brancos desejavam absurdamente: petróleo.

Para que as empresas pudessem explorar o óleo negro escondido sob o território osage, precisavam pagar royalties para os indígenas. Inicialmente eram alguns caraminguás, mas aos poucos, conforme os trabalhos expandiam, o montante crescia. Até que por volta da década de 1920 a quantia de dinheiro se tornou impressionante. Em um ano, a tribo chegou a receber mais de US$30 milhões, o que, se corrigido para os dias de hoje, equivaleria a cerca de US$400 milhões, mais até do que banqueiros costumavam lucrar naquela época.

"Os osages eram considerados a população mais rica do mundo em fortunas particulares […]. O público ficou chocado com a prosperidade da tribo, que contradizia a imagem dos indígenas americanos no tempo dos primeiros contatos violentos com os brancos – o pecado original que concebera o país. Os repórteres sideravam seus leitores com histórias sobre a 'plutocracia osage' e os 'milionários vermelhos', com suas mansões de tijolos e cerâmica, suas luminárias, anéis de brilhante, casacos de pele e carros com motoristas particulares. Um escritor se admirou de que as garotas osages frequentassem os melhores internatos e usassem roupas francesas de luxo, como se 'une très jolie demoiselle' [uma moça muito bonita] dos bulevares de Paris tivesse por acaso irrompido nessa cidadezinha da reserva indígena".

Retiro essas palavras de "Assassinos da Lua das Flores"(Companhia das Letras), ótimo livro-reportagem no qual David Grann, autor também de "Z, A Cidade Perdida" e "O Diabo de Sherlock Homes", reconstrói com muito mais detalhes esta história que aqui relato. Se o petróleo atraiu o homem branco àquelas terras indígenas e rendeu muito dinheiro aos osages, também levou problemas aos agora milionários.

Em uma época na qual parte dos Estados Unidos era uma "terra sem lei", o sumiço de uma garota osage e, logo na sequência, a aparição de um corpo baleado na cabeça causaram espanto, mas talvez não fosse nada fora do comum. "Poucos lugares no país eram tão caóticos como o condado de Osage, onde haviam se esgarçado os códigos não escritos do Oeste e as tradições que uniam as comunidades. O volume de dinheiro proveniente do petróleo foi estimado maior do que todas as corridas do ouro do Velho Oeste juntas, e essa fortuna atraíra bandidos do país inteiro", explica Grann.

Desses quatro irmãos osages, apenas o segundo não foi assassinado.

Contudo, quando os misteriosos assassinatos seguiram com uma osage sendo morta por envenenamento, uma família tendo sua casa detonada por dinamite e um homem sendo aniquilado com mais de 20 facadas, ficou claro que havia algo por trás daquele trágico momento. Foi uma manchete do Washington Post que ligou o alerta de parte do país para o que estava acontecendo naquelas terras: uma "Suposta conspiração para matar índios ricos".

Sem que o governo desse muita bola para a situação, os próprios indígenas contratavam detetives particulares para que averiguassem o que estava se passando. Não que conseguissem descobrir grandes coisas, entretanto. Até que John Edgar Hoover, investigador que fazia carreira em Washington, viajou para as terras osages e assumiu o caso.

"Com Hoover, os investigadores passaram a ser vistos como peças intercambiáveis numa engrenagem, operários de uma grande empresa. Foi uma mudança importante em relação à política tradicional, em que os agentes da lei eram produtos de suas próprias comunidades. Uma alteração que ajudou a afastar os agentes da corrupção em suas cidades e criou uma força verdadeiramente nacional", elucida o autor. Sim, é nesse momento que começa a se fortalecer e estruturar o que viria a ser, anos depois, o Federal Bureau of Investigation, o FBI tal qual temos hoje, uma instituição muito mais forte do que o Bureal Investigaton, de onde nasce.

As investigações de Hoover caminharam relativamente bem e suspeitos dos assassinatos em série foram levados aos tribunais. Ao retratar um desses momentos perante o júri que Grann nos dá uma dimensão do quanto boa parte das autoridades pouco se importavam com o que acontecia com os indígenas e traz elementos que ainda hoje ecoam na sociedade norte-americana:

"Houve uma pergunta, uma única pergunta, que o juiz, os promotores e a defesa nunca fizeram aos jurados, mas que era fundamental para o processo judicial. Um corpo de jurados formado por doze brancos seria capaz de punir outro branco por matar um índio? Um repórter cético comentou: 'A atitude de um criador de gado do interior do país em relação ao índio puro […] é bem conhecida'. Um membro importante da tribo osage pôs a questão em termos mais francos: 'Fico debatendo na cabeça se esse júri está julgando um processo de homicídio ou não. Para eles a questão consiste em decidir se o fato de um branco matar um osage é assassinato… ou apenas crueldade com animais".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.