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Professor reúne em livro argumentos para não ler Paulo Coelho

Rodrigo Casarin

25/10/2016 11h34

"'O Alquimista' provoca tédio, uma vez que naufraga em bobices, contradições e desrespeito ao vernáculo. Ademais, a trivialidade leva esse escrito de Paulo Coelho ao cumprimento de todas as etapas das edificações literárias pseudo-refinadas. É, entre as estruturas de mau gosto, um texto exemplar (…). Um escritor à Coelho dá ao leitor aquilo que o leitor espera encontrar no livro – um rodízio de pizza literária, uma vez que a esse leitor foi negado, lamentavelmente, apreciar as finas iguarias poéticas, não sendo, portanto, em termos de mesa literária, um gourmet, mas um gros mangeur de repastos culturais"

É o que escreve Janilto Andrade, doutor em Estética e Poética pela Universidade Federal de Pernambuco e professor de Literatura Brasileira e História das Artes, no livro "Por Que Não Ler Paulo Coelho", lançado originalmente em 2004 e que agora volta às livrarias pela Confraria do Vento em uma edição revista e ampliada. Na obra, como já ficou claro, Andrade esmiúça um dos livros mais famosos do mago para listar argumentos contrários à leitura do escritor que acaba de publicar "A Espiã", seu 19º romance (veja aqui o outro lado, um imortal da Academia Brasileira de Letras defendendo o autor).

Janilto Andrade

No ensaio, Andrade se refere a "O Alquimista" como um "pretenso romance" e contrapondo a obra com outras de autores clássicos, contemporâneos e até com "A Turma da Mônica", mostra que o trabalho de Coelho é repleto de contradições, erros linguísticos que beiram o infantil e formalmente muito pobre."'Tudo que acontece uma vez, pode nunca mais acontecer. Mas tudo que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira' (itálicos meus). É espantosa esta maravilha de sandice! Mais intrigante ainda é alguém escrever isto e alguém ler isto e a Academia Brasileira de Letras ler isto e decretar-se a sapiência literária do seu autor. O mundo todo bestou ou bestei eu? Francamente, é de pasmar!", registra.

Em entrevista ao Página Cinco, Andrade conta que a ideia do livro surgiu após ouvir a mesma pergunta de diversos alunos: por que os professores de literatura não leem Paulo Coelho? "Fui, aos poucos, me sentindo quase que numa obrigação ético-profissional de responder".

Na conversa, o autor propõe que o leitor ideal de "O Alquimista" é uma pessoa "atirada no abandono e na solidão urbana, fatigada, cheia do vazio de uma rotina sufocante, perplexa diante da tirania do apelo ao hedonismo, ao narcisismo e ao consumismo, imprensada pelo egoísmo, e que só tem olhos para a urgência da sobrevivência individual" e argumenta que a leitura de um livro do famoso escritor já é o suficiente para que se forme uma opinião sobre todo seu trabalho: "Paulo Coelho é um escrevente de best-seller; assim, lido um título, dispensam-se os outros".

De maneira breve, por que não ler Paulo Coelho?
É invocando predominantemente o aspecto formal de "O Alquimista" que afirmo na minha análise: trata-se de um texto mal estruturado, sem coerência interna, "costurado" com desrespeito ao vernáculo. Por exemplo, aqui, se lê: "Tenho apenas o 'presente', e ele é o que me interessa"; ali, está escrito: "Quero saber o 'futuro' porque sou um homem. E os homens vivem em função do seu 'futuro'". A certa altura, o narrador afirma: "Os cavaleiros entraram no oásis (…), parecia uma expedição de paz, mas 'haviam' armas escondidas 'sobre' os mantos." Como recomendar a leitura de uma obra assim?

E se não deve ser lido, por que tanta gente o lê e o venera?
É uma questão que se alinha com esta: por que o filme "X" tornou-se um autêntico "arrasa-quarteirão"? A despeito de não compor o objeto de análise do meu livro, talvez seja pertinente, para não deixar a sua pergunta sem resposta, propor que o leitor ideal de "O Alquimista" seja aquela pessoa atirada no abandono e na solidão urbana, fatigada, cheia do vazio de uma rotina sufocante, perplexa diante da tirania do apelo ao hedonismo, ao narcisismo e ao consumismo, imprensada pelo egoísmo, e que só tem olhos para a urgência da sobrevivência individual. Por não conseguir resolver esses impasses, atira-se, de corpo e alma, cegamente, em bobices culturais "da vez", como "O Alquimista", acreditando se fortalecer – quando apenas está pondo uma venda nos olhos – lendo tolices como esta: "não tinha um centavo no bolso mas tinha fé". Na compra de feijão, o Extra aceita fé, em vez de real…!?

O que você tem a dizer para quem pede por Paulo Coelho entre as leituras obrigatórias da escola?
Excelente questão! E existe, mesmo, alguém que pede!? Não quero acreditar que colegas meus integrem o grupo de pessoas às quais me referi na resposta anterior. O que tenho a dizer? Primeiramente, essa prática de obrigar a ler é obsoleta, ranço do autoritarismo. Há que motivar, não obrigar a ler… Ademais, quem obriga (!) esse tipo de literatura na escola talvez tenha feito uma leitura às pressas; não pôs o texto sob as lentes da atenção, da análise, da inquirição. A dizer alguma coisa, talvez eu preferisse saber como o meu ou minha colega consegue ensinar, lendo, estudando, analisando, comentando, com seus alunos, frases como esta, de "O Alquimista": "Tudo o que acontece uma vez, pode nunca mais acontecer. Mas tudo que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira". A sua explicação quanto ao emprego das duas vírgulas muito me enriqueceria, ao que ficaria agradecido.

Você centra toda a crítica em cima de "O Alquimista", livro publicado em 1988. De lá pra cá já se passaram 28 anos e o autor publicou outros 14 livros, não acha que ele pode ter melhorado? Por que não fez a análise de outras obras também?
Posso responder, fazendo referência a trechos do meu livro, quando aludo a "Hamlet", "Crime e Castigo", "O Processo", "Grande Sertão: Veredas", e digo que "é dessa tradição cultural que me vem a sugestão de excluir do meu projeto de leituras as demais obras de Paulo Coelho, as quais – de pastiche em pastiche –, provavelmente, da mesma forma que "O Alquimista" – esta é uma proposição provisória –, confirmarão os clichês dos textos "bestsellerizáveis" O best-seller tem uma forma consagrada: uma estrutura profunda e uma estrutura de superfície. A estrutura profunda se repete; a de superfície sofre, em cada obra, pequenos "ajustes", a fim de parecer novidade. Por exemplo, a série "007": ali, está sempre o embate entre o reino da luz (o Bem) e o reino das sombras (o Mal). No tempo da Guerra Fria, Bond encarnava o reino do bem (Estados Unidos) e o agente antagonista, o reino do mal (União Soviética). Aquele sempre triunfa sobre esse. De lambuja, Bond tinha como presente um protótipo da bela espécie, que o esperava para ser desfrutada.

Paulo Coelho é um escrevente de best-seller; assim, lido um título, dispensam-se os outros. Observe que digo lá no meu livro: "esta é uma proposição provisória". Continua sendo provisória, porque ainda não tive coragem de invocar algum nigromante para ler as pueris alquimias de Sir Paulo Coelho. Acrescente-se a isto o que se diz a boca miúda: que o autor de "O Alquimista" nunca gostou mesmo de ler…! E, ainda, sempre se opôs a corrigir – para não alterar a autenticidade do original – as barbaridades que comete contra a Língua Portuguesa.

A versão em inglês publicada nos Estados Unidos de "O Alquimista" está há mais de oito anos ininterruptos na lista dos mais vendidos do The New York Times, nunca um livro tinha ficado nela por tanto tempo. O que isso representa?
Indagado se já vira "A Lista de Schindler", o cineasta polonês Krzysztof Kieslowski respondeu negativamente, e acrescentou: Hollywood faz filme para crianças de dez anos. A sua pergunta acena para uma questão fundamentalmente mercadológica. Talvez, pudéssemos ver no sucesso ao qual você alude uma ilustração do processo de infantilização cultural pelo qual passam setores da sociedade americana – processo que arrasta toda a periferia do capitalismo, tendo à frente o Brasil – e um fenômeno claro da força do mercado editorial "tocado" pela publicidade. Repito, minha análise da obra do dito alquimista é predominantemente formal. Apenas en passant me refiro a problemas relativos à recepção da obra. Questões como esta caberiam num ensaio cuja natureza seria outra. Com certeza, o crítico de arte Robert Hughes e o de literatura Harold Bloom (para quem Harry Potter "é lixo cultural"), articulistas do jornal referido por você, nunca escreveram uma linha incentivando leitores americanos a visitar as páginas de "O Alquimista".

Ao longo do livro você fala muito de como as necessidades ou questões mercadológicas interferem no que é publicado. Quanto o mercado faz mal à literatura?
O mundo se tornou um mercado. E há quem afirme, com todas as letras, que ninguém vive "fora das leis de mercado." Exagero! Há comunidades inteiras que se ausentaram da tirania do mercado. Não sou pós-modernista – nem crítico cult – daqueles que acreditam que "não há nada a ser debatido". Admito, sim, que algumas manifestações da "cultura comum" produzem significação reveladora. Há muito que se pesquisar nesse universo. A Sociologia, a História etc. muito podem desvendar a partir da leitura de alguns desses textos.

No que diz respeito à relação da literatura com o mercado, é óbvia a dependência de determinados autores às leis desse mercado. Sabemos as consequências. Há, porém, aqueles que lidam com o mercado sem cair nas suas malhas, Fernando Veríssimo, por exemplo. São os que ainda não abnegaram da qualidade do texto, debruçando-se sobre sua forma, sua recepção e sua funcionalidade. Se insisto em fazer distinção entre uma certa literatura e comércio, é que recuso identificar indivíduo com consumidor. Eugenio Bucci, em "Videologias", afirma que "ao indivíduo como consumidor corresponde, logicamente, a arte como mercadoria. A arte não teria mais uma função subjetivante, como expressão do artista enquanto sujeito do desejo". Por que Mia Couto, João Gilberto Noll, Everardo Norões etc. não são alavancados pelo mercado?

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.