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Imortal da ABL defende leitura de Paulo Coelho: “Voz e anseio de multidões”

Rodrigo Casarin

18/11/2016 12h02

pauulo

"Paulo Coelho sempre correu o risco de ousar, de ir diretamente à essência do que mais lhe interessa: o conflito humano", diz Arnaldo Niskier, educador, ex-professor de história e filosofia e membro da Academia Brasileira de Letras, onde foi recebido por Rachel de Queiroz, desde 1984. Se há algumas semanas, em entrevista ao blog, Janilto Andrade elencou argumentos contrários à leitura do mago, agora é a vez de um imortal da ABL sair em defesa de seu colega que já vendeu mais de 200 milhões de livros pelo mundo.

Niskier foi o responsável por fazer o discurso de recepção a Paulo quanto este entrou para a Academia, em 2002. "Nesta Casa pluralista, que cultiva basicamente a Língua Portuguesa e a Literatura Brasileira, como quiseram os seus fundadores, entre os quais Machado de Assis, o mais forte dos sinais é a palavra, especialmente a palavra escrita, aprisionadora de ideias. Nela, os gregos antigos sentiam a existência de 'sinais mortíferos'. É o que se pode depreender da vida e da obra do escritor Paulo Coelho, com as suas parábolas magnificamente elaboradas", disse em sua fala o antigo acadêmico, que, ao ser perguntado sobre quais livros de Paulo merecem destaque, elenca diversos e afirma ser "difícil escolher um, gosto de todos". Aprofundando-se em "O Alquimista", inclusive compara Paulo a um dos maiores nomes da literatura mundial: "Há muito de Jorge Luis Borges nessa obra, de intensa busca espiritual e conflitos existenciais".

ArnaldoPor que uma pessoa deve ler Paulo Coelho?

Paulo Coelho sempre correu o risco de ousar, de ir diretamente à essência do que mais lhe interessa: o conflito humano. Em seu estilo de escritor, acredita nas frases curtas, na síntese de ideias e poucas descrições, dando ao leitor o crédito da imaginação, da cumplicidade. Na busca desse estilo, resolveu contemplar a natureza e desenvolveu uma forma de criação literária semelhante a ela: a aragem do campo, um processo de revolução interior, de renovação de valores; a semeadura, a criação que tem origem na vida, que semeia o campo fértil do inconsciente; a maturação, que brota do fundo da alma do escritor – uma espécie de interiorização da mensagem e, finalmente, a colheita, quando a criação torna-se manifesta. É assim que nasce o estilo diferenciado e personalíssimo.

A literatura mística, em linguagem acessível e direta, revela rituais milenares, exercícios de percepção, um encontro com alguns dos grandes mistérios do Universo. As narrativas de Paulo Coelho, sempre de modo simples, atingem todos os públicos, há uma proposta permanente do alargamento da visão de mundo, incluindo o visível e o invisível. Essa literatura vai ao encontro de um forte anseio de busca espiritual, hoje presente praticamente no mundo inteiro, em que se registra a redução da taxa de racionalidade.

De forma velada, os livros dele provocam questionamentos interiores, de todas as latitudes, ao entrar em outra frequência. Recorro à milenar sabedoria chinesa para afirmar que em todos nós há um oráculo interno, pronto para nos fornecer informações necessárias e precisas a qualquer tempo. Paulo Coelho foi agraciado com o recebimento desses sinais, privilégio de poucos.

Quais são os motivos que levam tanta gente a torcer o nariz para ele? Acredita em inveja por conta do sucesso ou esses críticos podem ter uma parcela de razão?

Preconceito e inveja, talvez, sejam motivos de críticas direcionadas ao Paulo Coelho. Além do que, a grande maioria critica sem ter lido.

O acadêmico e crítico literário Antônio Olinto, ao analisar cuidadosamente a obra de Paulo Coelho, elogiou o perfeito sentido do ambiente nos romances. Segundo Olinto, "um feito literário, que é um dos motivos do seu êxito". Os passos de Santiago estão gravados para sempre na alma do mundo, termo corrente na alquimia, que estima para este século uma forte característica mística e espiritualista. Não poderá estar aí, na capacidade de antevisão do escritor Paulo Coelho, uma das melhores explicações para o êxito indiscutível?

A versão em inglês publicada nos Estados Unidos de "O Alquimista" está há mais de oito anos ininterruptos na lista dos mais vendidos do The New York Times, nunca um livro tinha ficado nela por tanto tempo. O que isso representa?

A aceitação em outros países é a melhor prova de que Paulo Coelho é consagrado autor, ao lado de John Grisham, um dos dois mais vendidos neste planeta sedento de cultura. Sua obra traz-me à lembrança o louvor de Antônio Vieira a Luís de Souza, em 1767: "O estilo é claro com brevidade, discreto sem afetação, copioso sem redundância, e tão corrente, fácil e notável que, enriquecendo a memória e afeiçoando a vontade, não cansa o entendimento". É a simplicidade sem superficialidade, por isso fácil de ser traduzida em tantos países de culturas distintas.

Vender milhões de livros, ser traduzido para 56 línguas e editado em 150 países [80 línguas e 170 países, segundo os últimos dados divulgados] são fatos concretos de uma esplendorosa carreira, sobre a qual desejo avançar em considerações especiais.

A obra dele, com forte ênfase na espiritualidade, rejeitando gurus, mestres e o fundamentalismo, busca exatamente resposta para essa angústia universal. Talvez aí resida o segredo do vosso êxito planetário, que recusa a expressão de literatura mercadológica. É a voz e o anseio de multidões à procura de uma perspectiva mais favorável, que se pode encontrar na leitura, valorizada pela certeza de que o livro jamais será superado pelo computador.

Quais livros você leu do Paulo? Quais recomenda?

"O Diário de um Mago", em 1987, o primeiro de grande vendagem, é o encontro espiritual com a simplicidade na busca de Deus. A seguir, "O Alquimista", em 1988, recordista de vendas, é o percurso metafórico, a histórica peregrinação. Um livro arriscado, passando de um título anterior de não-ficção para um de ficção, sabendo-se que muitos escritores costumam acabar, literariamente, quando fazem essa mudança. Há muito de Jorge Luis Borges nessa obra, de intensa busca espiritual e conflitos existenciais. Longe da ideia de guru misterioso e enigmático, construístes uma pedra filosofal marcada pelo Brasil.

"Brida" é de 1990, um livro de nossos dias, grande reportagem de uma vida. É o romance mais longo, onde procurastes dar ideia da busca da mulher pelo conhecimento. Em "As Valkírias", de 1992, aborda o casamento. Não era um livro sobre anjos, como muitos chegaram equivocadamente a crer. Seguiu-se, em 1994, "Na Margem do Rio Piedra, Sentei e Chorei", quando consegue realizar sonho antigo, qual seja, aceitar o lado feminino e utilizá-lo como forma de expressão. Vieram "Maktub" em 1994 (o que está escrito é sempre real) e "O Monte Cinco", em 1996, um texto bíblico em que promove a incursão na vida de um homem obrigado a seguir o destino. Apresenta-se o tempo todo o equilíbrio entre o rigor e a compaixão. Em "Verônika Decide Morrer" (1998) lida com a necessidade de aceitar as diferenças humanas, O "Demônio e a Srta. Prym" (2000) é um livro sem final maniqueísta. Enfim, difícil escolher um. Gosto de todos.

Quais são os méritos literários de Paulo Coelho que justificam ele ser um membro da casa fundada por Machado de Assis?

As pessoas se elegem para a ABL por méritos literários e/ou por serem notáveis, como foi o caso de Jacques Cousteau, na França, de onde emana o modelo brasileiro. Paulo Coelho tem as duas qualidades. Não venderia 100 milhões de livros se não tivesse méritos.

Quando vocês conversam entre si, o que os outros imortais costumam falar do Paulo Coelho? Aliás, como tem sido a participação dele na ABL desde que foi eleito?

A participação é difícil, pois ele mora na Europa. Sobre conversas com acadêmicos sobre outros acadêmicos, não nos pronunciamos.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.