Polícia, brutalidade e submundo urbano fizeram de Rubem Fonseca um gigante
Não foi à toa que, em 1975, o crítico literário Alfredo Bosi definiu a literatura feita por Rubem Fonseca como brutalista. Em suas narrativas, o escritor costumava retratar a violência das grandes metrópoles, quase sempre partindo de questões policialescas para adentrar ao submundo das cidades. Autor de obras como "E do Meio do Mundo Prostituto só Amores Guardei ao Meu Charuto", "Agosto" e "O Cobrador" e criador de personagens memoráveis como o advogado Mandrake, Fonseca ganhou diversos prêmios em vida, dentre eles o Camões, um dos mais importantes da literatura em língua portuguesa, em 2003, e seis Jabutis, sendo o último deles em 2014, na categoria contos e crônicas, graças a "Amálgama". Reservado, avesso a aparições públicas e entrevistas, não surpreendeu ninguém ao não comparecer à entrega da premiação.
Fonseca já despontou como um grande escritor em seus dois primeiros livros: "Os Prisioneiros", de 1963, e "A Coleira do Cão", de 1965, ambos de contos. Seguiram-se, então, dezenas de títulos. Eis alguns deles: "Lúcia McCartney", de 1969, "O Caso Morel", de 1973 (seu primeiro romance), "A Grande Arte", de 1983, "Bufo & Spallanzani", de 1985 (ambos adaptados para o cinema), e "O Seminarista", de 2009. Construiu, assim, uma obra sólida e respeitada e se tornou o nome mais importante da literatura policial no país. Fez sucesso de público e crítica, fenômeno que não era tão raro assim no Brasil de outrora. Também escreveu roteiros para o cinema, ganhando prêmios com trabalhos como "Relatório de um Homem Casado" e "Stelinha".
Ex-policial, Fonseca empregou em suas obras um tom realista e direto, na qual elementos como a violência e a sexualidade são tratados sem quaisquer atenuantes. Seus personagens, principalmente os protagonistas, são marcados pela força e pela complexidade do caráter. Explorando cenários repletos de marginais, prostitutas, traficantes e outros tipos comuns aos submundos urbanos, é corriqueiro que os coloque em conflitos, inclusive morais, com seus delegados, inspetores ou policiais.
Fonseca usava as tramas polícias não como um fim, mas como um meio para, de forma geral, abordar os problemas de nossa sociedade, expondo o cotidiano, as agruras e os dramas de quem vive à margem e de quem sofre com a violência. Também é comum que o autor deixe, em suas narrativas, brechas que devem ser preenchidas pela imaginação do leitor. Além disso, em alguns títulos, o escritor parte de acontecimentos históricos para criar sua trama, como em "Agosto", sobre a morte de Getúlio Vargas", que virou minissérie na Rede Globo.
Rubem Fonseca se formou em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro e começou a atuar como comissário policial no final de 1952, numa delegacia do subúrbio carioca. Bom profissional, chegou a ser mandado para os Estados Unidos para aprender técnicas inerentes ao ofício, aproveitando também para estudar administração em Nova Iorque. Depois, no final da década de 1950, entrou para a Light, distribuidora de energia, onde se tornou executivo.
Devido ao seu posto na empresa que Fonseca se envolveu em um dos episódios mais polêmicos de sua vida. Pelo cargo que ocupava, foi apontado para ser também diretor do Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), um dos principais grupos para a articulação do golpe civil e militar de 1964. Ao lado de nomes como a escritora Rachel de Queiróz, Fonseca trabalhou na criação de peças midiáticas contrárias ao governo estabelecido.
A partir do golpe, a relação entre Fonseca com o Ipês e os militares se tornou bastante nebulosa, mas fato é que ele mesmo foi alvo da censura imposta pelos então mandatários do país: em 1975, proibiram a publicação de "Feliz Ano Novo" por conta dos palavrões que compunham a obra. A perseguição ajudou a transformá-lo em um dos seus trabalhos mais celebrados. Já seus três últimos livros, "Histórias Curtas", "Calibre 22" e "Carne Crua", chamaram mais atenção pelo nome do autor do que pela qualidade das narrativas.
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