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Falerno de 121 a. C.: o vinho que era sinônimo de luxo no Império Romano

Rodrigo Casarin

18/12/2018 10h55

Nas encostas de montanhas próximas a Nápoles que eram cultivadas as vinhas que davam origem ao vinho mais badalado do Império Romano: os falernos, que representavam o símbolo máximo de luxo e opulência. Era o goró servido por quem queria ostentar. Provavelmente seu teor alcoólico superava os 15% e a bebida repousava por pelo menos 10 anos em ânforas antes de ser considerada pronta – em muitos casos passava mais tempo, até que os vinhos brancos adquirissem uma cor dourada por conta do envelhecimento. Todos concordavam que se tratava do melhor vinho já feito na história da humanidade, diziam até que sua origem seria coisa do próprio deus Baco.

"De longe, a safra falerna mais famosa foi a de 121 a. C., conhecida como safra do falerno opimiano em homenagem a Opímio, que manteve o posto de cônsul naquele ano. Esse vinho foi tomado por Júlio César durante o século 1 a. C., e um falerno opimiano de 160 anos foi servido ao imperador Calígula em 39 d.C. Marcial, um poeta romano do século 1 d. C., descreveu o falerno como 'imortal', muito embora a safra de opimiano provavelmente não pudesse mais ser bebida em sua época", escreve o jornalista inglês Tom Standage no interessante "História do Mundo em 6 Copos".

O livro não é novo – foi publicado em 2005, mesmo ano em que chegou ao Brasil pela Zahar , mas fez parte da minha bibliografia de estudos etílicos deste ano, cujo foco esteve exatamente no vinho (logo devo fazer uma lista com bons livros sobre o assunto). "Assim como arqueólogos estabeleceram períodos históricos com base no uso de materiais diferentes – Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro e assim por diante , também é possível dividir a história do mundo em períodos dominados por certas bebidas. Especialmente, seis bebidas – cerveja, vinho, destilados, café, chá e cola – definem o fluxo da história mundial. Três delas contêm álcool e três contêm cafeína, mas o que todas têm em comum é o fato de que cada uma delas foi a bebida definitiva durante determinado período histórico, desde a Antiguidade até os dias de hoje", defende o autor que, por meio do seu trabalho, me lembrou do falerno.

Não querendo puxar pro lado que mais me interessa, mas a primeira parte da obra – sobre as bebidas alcoólicas – é bem mais interessante do que a segunda, protagonizada pela cafeína. Começamos pela cerveja, venerada por mesopotâmicos e egípcios, irmã gêmea do pão, intimamente ligada à revolução agrícola, à formação da sociedade moderna e ao avanço científico e tecnológico (está na base da origem da escrita, por exemplo). Depois temos justamente o vinho, que ajudou a modelar a história do Mediterrâneo e molhou as palavras e abriu as ideias dos gregos e dos romanos – e logo ali, infelizmente, foi transformado em algo um tanto esnobe. Enfim, os destilados, mais alcoólicos e resistentes, acompanharam os marinheiros nas grandes navegações, com barris de conhaque e principalmente rum sendo utilizados até como moeda de troca por escravos.

Passada a temporada de expansão marítima, no recorte de Standage a coisa vai ficando mais sóbria. Introduzido na Europa a partir do Oriente Médio, o café "ajudava na clareza do pensamento, o que o tornava a bebida ideal para cientistas, homens de negócios e filósofos. Discussões em cafés públicos levaram à fundação de sociedades científicas, jornais e instituições financeiras, e propiciaram um terreno fértil para o pensamento revolucionário, sobretudo na França", escreve. Apesar de fazer sucesso justamente por substituir as bebidas alcoólicas, deixando os bebericadores mais ligados, pelo que o autor expõe os lugares que serviam a bebida eram mais importante do que a bebida em si. Substituindo as tavernas, as cafeterias se tornaram ponto de encontro para que homens ficassem por dentro dos últimos futricos e novidades do mundo. "Coletivamente, os cafés da Europa funcionavam como a Internet da Idade da Razão", força na comparação.

Com a expansão imperialista da Grã-Bretanha, o estabelecimento de suas rotas comerciais e a Revolução Industrial, é a vez do chá se tornar uma das bebidas mais importantes do mundo, símbolo do domínio da coroa sobre boa parte do planeta e iguaria responsável por impactar drasticamente na história de países como China, Estados Unidos e Índia. Por fim, o momento em que vivemos, com os Estados Unidos encabeçando o mundo globalizado e a sua Coca-Cola sendo o símbolo máximo de produto encontrado em todos os cantos da Terra.

Da minha parte, abro mão do refrigerante e sigo estudando as bebidas que simbolizaram outras épocas; no universo padronizado da Coca-Cola, não há chance alguma de nos depararmos com um novo falerno.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.