Reza Aslan: “Você não precisa temer a Deus. Você é Deus”
Logo de cara, Reza Aslan dá o tom de seu novo livro: não está interessado em provar ou não a existência de Deus, mas em entender como a ideia de Deus apareceu na história humana, quais impactos que isso trouxe ao longo do tempo e como os deuses foram se moldando em nosso imaginário com o passar dos milênios.
Com essa premissa, em "Deus – Uma História Humana", publicado por aqui neste ano pela Zahar, o autor faz um mergulho em nossa trajetória e passa por diversas mitologias para compreender como chegamos à ideia monoteísta hoje dominante. Esse papo de gente que acredita em um único Deus é algo recente, que apareceu há cerca 3 mil anos – a origem das religiões remonta a centenas de milhares de anos, chegando perto de coincidir com a própria raiz da humanidade, vale lembrar.
Com formação em Harvard e na Universidade da Califórnia, onde leciona, Aslan possui mestrado e doutorado em estudos teológicos e sociologia das religiões. "No god but God", seu livro de estreia, chegou a ser apontada como uma das cem obras mais importantes dos anos 2000 e "Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré" fez sucesso em boa parte do mundo, inclusive no Brasil. Encarando a relação do homem com suas divindades da perspectiva acadêmica, Aslan menciona estudos recentes que indicam que a religião não é uma adaptação evolutiva, mas subproduto acidental de alguma adaptação evolutiva. Apresenta essa teoria após contrariar muitas máximas que ouvimos sobre o assunto por aí:
"Apesar de tudo o que achamos que sabemos, a evidência indica que a religião não faz as pessoas serem boas ou más. Ela não policia o comportamento nem promove naturalmente a cooperação na sociedade. Não aprimora o altruísmo de forma mais ou menos efetiva que qualquer outro mecanismo social. Não é mais ou menos poderosa na criação de comportamento moral. Não propicia, de modo inerente, a cooperação na sociedade, não aumenta a vantagem sobre os grupos concorrentes. Ela não necessariamente acalma a mente ou conforta a alma. Não diminui de forma automática a ansiedade nem melhora o sucesso reprodutivo. Não promove a sobrevivência do mais apto", enumera Aslan.
Talvez o maior acerto do estudioso ao escrever "Deus" tenha sido dispensar uma suposta objetividade acadêmica e também mostrar como ele mesmo, fortemente influenciado pela ciência, alicerçou a própria fé. Aslan foi uma criança que pensava em Deus como um idoso com poderes mágicos, virou um cristão devoto que via em Deus um ser humano perfeito e, já adulto, passou "de muçulmano acadêmico que rejeitou o cristianismo em favor do monoteísmo mais puro do islamismo, para um sufi forçado a admitir que a única maneira de aceitar a proposta de um Deus singular, eterno e indivisível era obliterar qualquer distinção entre criador e criação" – no livro, as palavras e construções do autor costumam ser mais simples do que as desta citação, juro.
Hoje Aslan entende que Deus não é o criador de tudo o que existe, mas é absolutamente tudo o que existe. "Existe um termo moderno para essa concepção do divino: o panteísmo, que significa 'Deus é tudo' ou 'tudo é Deus'. Na sua forma mais simples, o panteísmo é a crença de que Deus e o universo são um e o mesmo – nada há fora da existência necessária de Deus", explica.
Essa visão contemporânea do pesquisador se conecta com indícios milenares apresentados em seus estudos. O panteísmo mencionado possui semelhanças com a fé demonstrada pelos nossos ancestrais pré-históricos, que acreditavam que todas as coisas – vivas ou não – compartilhavam uma única essência, uma única alma. E se, além das pesquisas, o sufismo ajudou o autor a chegar a tal crença, o próprio Aslan dispensa radicalismos e aponta que interpretação semelhante é validada por correntes filosóficas e alcançada em vertentes de outras religiões praticadas em nossos dias, como o hinduísmo, o budismo e até mesmo o judaísmo.
Já nas páginas derradeiras, Aslan escreve: "Como crente e panteísta, adoro Deus não com medo e temor, mas com reverência e admiração pelo funcionamento do universo – pois o universo é Deus". Um pouco mais adiante, crava aos leitores: "Você não precisa temer a Deus. Você é Deus", finalizando uma obra que cumpre muito bem a proposta externada em sua introdução: "Este livro é mais do que apenas uma história de como nós humanizamos Deus. É também um apelo para pararmos de colocar nossas compulsões humanas sobre o divino e desenvolvermos uma visão mais panteísta de Deus. Pelo menos é um lembrete de que, quer você acredite em um deus ou muitos deuses, ou em deus algum, somos nós que formamos Deus à nossa imagem, e não o contrário. E nessa verdade está a chave para uma forma de espiritualidade mais madura, pacífica e primeva".
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