Desanimado com a crise das livrarias? Leia Jorge Carrión e tenha um alento
No meu primeiro emprego, na modorrenta administração de em uma agência de cobranças, passava boa parte da hora do almoço perambulando pelos sebos do centro de São Paulo. Depois, escrevendo para uma revista de iluminação que ficava na Pompeia, aproveitava a pausa no expediente, descia até o Shopping Bourbon e ficava vasculhando as prateleiras da Livraria Cultura em busca sei lá do quê, mas sempre me surpreendendo com livros e autores que nunca tinha ouvido falar. Já quando viajo, dificilmente consigo passar na frente de uma livraria e não entrar – ainda bem; sempre há algum bom achado, como o "Hipster Hitler", de James Carr e Archana Kumar, que encontrei na Grober Unfug, em Berlim.
Se quando criança eu sonhava em ser jornaleiro só para poder ler todos os gibis e colecionar todos os álbuns, já adulto meu espaço ideal se transformou em uma livraria. Não é primordialmente pela questão econômica que fico triste a cada notícia da crise que abala redes como a Saraiva e a Cultura; é o emocional que balança ao ver uma livraria sendo fechada, seja ela um negócio minúsculo de bairro, seja um braço de alguma grande rede (ok, assumo que no primeiro caso fico um tanto mais chateado do que no segundo). É difícil achar alguém que trabalhe com livros e não seja sentimentalmente envolvido com o objeto e tudo o que o cerca.
Essa pindaíba que estamos acompanhando me levou a tirar da pilha que não para de aumentar o "Livrarias – Uma História de Leitura e de Leitores" (Bazar do Tempo), do espanhol Jorge Carrión, excelente ensaio no qual o autor expõe toda a sua paixão pelo assunto. Por onde passa, Carrión procura conhecer as principais livrarias do lugar e delas levar alguma recordação – não só livros, mas cartões de visita, folhetos, códices, cartões-postais, catálogos, instantâneos, notas, fotocópias… E aprecia livrarias de todos os tipos: históricas, novíssimas, bilíngues, acadêmicas, especializadas em literatura de viagem, em quadrinhos, em infantis…
"Como âmbito erótico, toda livraria é por excelência um lugar de encontro: entre livreiros e livros, entre leitores e livros, entre leitores e livreiros, entre leitores e viajantes. O caráter de familiaridade que todas as livrarias do mundo compartilham, sua natureza de refúgio ou bolha, torna a aproximação mais provável do que em outros espaços. Esse estranho sentimento de saber pelo título que este livro, publicado em árabe ou japonês, é de Tolstói ou de Lorca, ou pela foto do autor ou por algum tipo de intuição. Essa experiência compartilhada de ter reencontrado alguém em alguma livraria do mundo", escreve Carrión. Não poderia concordar mais. Livrarias são refúgios acolhedores e estimulantes, por isso que as procurava nos intervalos de trabalhos que, digamos, pouco me atraíam.
As viagens de Carrión levam os leitores a algumas das livrarias mais famosas do mundo, como a Lello, do Porto, e a parisiense Shakespeare and Company – célebre pela tradição hospedar escritores. Mas não só. A obra se torna grandiosa por apresentar também inúmeros lugares desconhecidos do grande público – e até mesmo dos apaixonados pelo assunto -, mas que possuem a alma que todo leitor procura ao atravessar a porta que o encaminha às prateleiras plenas de histórias. Quer conhecer alguma livraria da Turquia, da Venezuela ou da Guatemala? Siga o autor.
Para Carrión, "uma livraria é uma comunidade de fiéis" e a que melhor representa essa ideia é a Dog Eared Books, que abriu as portas em 1992 em São Francisco. "Além de revistas, livros, discos, e trabalhos gráficos, na vitrine dessa loja de esquina encontramos a representação perfeita do vínculo de carinho e respeito que uma livraria deve criar com seus clientes leitores: um altar dos mortos que todas as semanas é atualizado pela artista Verónica de Jesús. Nele convivem vizinhos anônimos, amigos pessoais, escritores e pop stars. Leitores famosos ou desconhecidos que, acima de tudo, se sentem parte de um bairro".
Dentre as muitas boas e curiosas histórias presentes na obra, chama a atenção a da The Book Lounge, na Cidade do Cabo, África do Sul, onde livros de Paulo Coelho, Gabriel García Márquez e J. M. Coetzee precisam ser solicitados no balcão porque são os autores mais roubados do lugar. E livrarias brasileiras também têm vez nas andanças do espanhol, que acredita que a carioca Leonardo Da Vinci "deve ser a mais poetizada do mundo" – Carrión ficou admirado com o poema "A Livraria", que Márcio Catunda dedicou ao refúgio intelectual localizado no centro do Rio de Janeiro.
Numa época de más notícias, ler Carrión nos reconecta com a paixão pelas livrarias, com o lado emocional do negócio, e nos faz lembrar de como lugares do tipo marcaram a marcam a história de qualquer pessoa apaixonada por livros.
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