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Pessimismo X fé: em crise, o que as livrarias esperam (ou não) de Bolsonaro

Rodrigo Casarin

01/11/2018 10h46

Na última segunda-feira, a Saraiva anunciou o fechamento de 20 de suas unidades. Pouco antes, na semana passada, a Livraria Cultura havia entrado com pedido de recuperação judicial para tentar colocar suas contas em dia. Há cerca de dois anos a empresa tem sérias dificuldades para pagar fornecedores e vem fechando lojas – além das próprias, encerrou todos os pontos da Fnac após adquirir a operação brasileira da rede em 2017. A última porta trancada pela Cultura teve um simbolismo melancólico: em outubro, acabando com a unidade que funcionava no centro, a livraria se despediu do Rio de Janeiro.

Com o mercado de livros acompanhando a derrocada econômica do país e se retraindo fortemente nos últimos quatro anos – apesar de alguns sinais de melhora nos últimos meses -, mudanças da dinâmica no varejo e o crescimento do comércio digital, o momento é de grave crise para as livrarias físicas. Olhando para o plano de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, o setor tem poucos motivos para se alegrar: no documento não há uma menção sequer a palavras como "livro", "livraria", "literatura" ou para o termo "mercado editorial", tampouco propostas culturais concretas.

Junte tudo isso a um país que forma poucos leitores e temos o cenário que faz com que o pessimismo prevaleça entre os livreiros, enquanto entidades ligadas ao mercado buscam há tempos por soluções amplas que beneficiariam todo o setor – pelo que dizem, alguma fé em tempos melhores, ao menos, ainda existe. Questionado sobre as expectativas com relação ao novo governo e sobre quais medidas deveriam ser adotadas para beneficiar as livrarias e, consequentemente, a cadeia livreira, Pedro Herz, presidente do conselho de administração da Livraria Cultural, lembra dos hábitos da sociedade para mostrar quão profunda é a raiz do problema:

"A crise no setor editorial vem de longa data. Os motivos são vários: a economia em recessão, desemprego, nenhum estímulo à leitura, baixa qualidade do ensino… Não temos exemplos de governantes lendo, nenhuma campanha estimulando adultos a consumir livros. Isso acontece nas esferas municipais, estaduais e federais. Ler é um exemplo que vem de casa. A realidade brasileira é a seguinte: pais que não leem e, por consequência, não estimulam os filhos à leitura. Não vi nos últimos anos nenhum governante dar o exemplo daquilo que estavam eles próprios lendo, muitos menos estimulando os filhos à leitura".

Para Herz, estimular que pais frequentem bibliotecas poderia ser um exemplo prático de fomento à leitura, o que, consequentemente, traria números positivos para todo o setor, incluindo as livrarias. "Porém para isso seria muito importante que estes locais estivessem disponíveis aos finais de semana, feriados, e não fechados", ressalta. Já Marcos Pedri, diretor comercial do Grupo Livrarias Curitiba, destaca o projeto de lei 49/2015, conhecido como Lei do Preço Fixo.

"Desejamos que o governo avalie e aprove essa lei que estipula que as livrarias físicas e virtuais poderão oferecer no máximo 10% de desconto numa publicação durante o primeiro ano após seu lançamento. Esse projeto está tramitando no governo, mas sem definição. Na tentativa de atrair consumidores, alguns sites vendem determinados livros por preços abaixo do custo. Porém, isso traz prejuízos a eles próprios e às demais entidades ligadas ao livro – que, por sua vez, não conseguem comercializar as obras pelo justo valor do mercado. Com isso, todos saem perdendo. Ao mesmo tempo, desejo que o presidente eleito conceda incentivos fiscais e linhas de financiamento de longo prazo a todo setor editorial e livreiro do Brasil", argumenta.

O pessimismo das pequenas livrarias

Conversando não com diretores de grandes redes, mas com os responsáveis por pequenas livrarias, o que temos é o pessimismo absoluto. À frente da curitibana Arte & Letra, Thiago Tizzot diz que a expectativa com o novo governo é "zero, não existe nada que indique que os livros e a literatura vão receber alguma atenção do próximo presidente". Para ele, empresas como a que administra não devem esperar qualquer tipo de benefício, que, se em algum momento vier, "será para as grandes redes", acredita. "Se tem uma coisa que eu aprendi ao longo de todos esses anos em livraria é nunca esperar. Em momentos de crise você tem que agir, fazer alguma coisa. Quem fica esperando ajuda de governo não dura muito tempo. A cadeia livreira vai precisar se reinventar nos próximos anos se quiser permanecer viva".

Toada semelhante segue Daniel Louzada, livreiro da Leonardo da Vinci, fundada em 1952 e que desde 1956 está no mesmo endereço no centro do Rio de Janeiro. "Não tenho nenhuma expectativa de medidas positivas. A palavra livro não é citada uma única vez no programa do agora presidente. Não há nenhum plano, nenhum projeto. A cultura em geral é, por todas as declarações e práticas políticas das forças eleitas, algo visto com desprezo, com uma forte dose de anti-intelectualismo, basicamente reduzindo a criação e o pensamento crítico a potencial produto de uma fantasiosa 'esquerda' superpoderosa. Se não vejo no governo nenhuma ação efetiva a favor do livro, vejo nas forças que ele libera ameaças reais à liberdade de expressão e à circulação do livre pensamento, mesmo nas livrarias".

Nesse sentido, Louzada enfatiza que de uns tempos para cá o país tem se tornado um ambiente hostil à pluralidade de ideias. "Já há alguns anos temos diversos relatos de assédio nas livrarias por parte de clientes que se sentem 'ofendidos' pela exposição (ou seja, existência) de determinados livros que não lhes agradam. Da mesma forma, já há autocensura de livrarias que não colocam determinadas obras nas vitrines ou não as postam nas redes, receosos de uma minoria barulhenta que não consegue conviver com ideias ou formas de vida diferentes da sua, mesmo que traduzidas em livros. A quase naturalização do avanço de movimentos absurdos num país democrático, como o Escola sem Partido, o ataque crescente à liberdade de cátedra e a demonização dos professores, reforça a perspectiva de um tempo ruim para quem trabalha com ideias no país", enumera, para depois vislumbrar um pouco de luz: "Acredito, contudo, que o talento e a força de editores e livreiros superará esse tempo difícil. Não será a primeira vez na nossa história".

Os planos das entidades ligadas ao livro

Por parte das entidades ligadas ao mercado editorial, há, contudo, a esperança e alguma movimentação para que o governo de Bolsonaro seja positivo para o setor. Presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov afirma que as medidas para o fortalecimento da cadeia produtiva do livro estão, de forma geral, previstas na Lei 13.696, de Política Nacional de Leitura e da Escrita, sancionada em julho deste ano pelo governo de Michel Temer, que prevê a implantação de ações que favoreçam a promoção do livro, da leitura, da escrita e das bibliotecas. "Cabe ao novo governo dar a essa lei o tratamento de política de Estado e, portanto, de longo prazo".

Falando especificamente das livrarias, Gurbanov elenca algumas ações que poderiam vir a ser benéficas, como linhas de crédito "não abusivas destinadas ao capital de giro e à criação de novos empreendimentos" e, no nível estadual e municipal, a criação de "mecanismos de estímulo ao setor, como a inclusão das livrarias nos circuitos culturais, a implementação efetiva dos planos estaduais e municipais de livro, leitura e bibliotecas e a criação de feiras do livro com condições financeiras que permitam a participação das livrarias locais". Tudo isso visando "sairmos desta situação dramática que atualmente vivem o varejo do livro e o setor livreiro no Brasil".

Presidente tanto da Câmara Brasileira do Livro quanto do Instituto Pró-Livro, Luís Antônio Torelli, por sua vez, diz estar tentando marcar uma reunião com a equipe de transição do governo para conversar sobre quatro pontos que considera essenciais para o setor: a formação de leitores, a retomada e ampliação de programas de incentivo, a garantia e o estímulo da produção intelectual no país e o fortalecimento da economia do livro. "Não adianta propormos nada que vá além disso se continuarmos com os índices pífios de leitores no Brasil", afirma.

Aproximando-se da fala de Herz, da Livraria Cultura, Torelli enfatiza a importância do trabalho junto com os professores e outros mediadores e incentivadores de leitura, como a própria família, para a formação de novos leitores. Além disso, crê, seriam necessários programas que ampliem o número de livrarias, bibliotecas e demais pontos de vendas de livro no país e o fomento do mercado editorial, seja por meio de feiras de livros e eventos literários, seja via aquisições governamentais. "A partir desses pontos, podemos conversar sobre uma série de outras questões. Penso que o futuro das livrarias também passa por essas ações".

Finalmente, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) soltou na última semana uma carta aberta apontando quais são as pautas prioritárias que espera e que cobrará do próximo presidente do país: educação inclusiva, livre circulação de ideias, defesa da criatividade, proteção ao copyright e investimento robusto na formação de leitores e no fomento do sistema de bibliotecas.

"Uma nação verdadeiramente democrática e que busca desenvolvimento deve ter um governo comprometido com o avanço dos índices de leitura e com o fortalecimento de um setor livreiro economicamente saudável. Quanto a medidas que podem ajudar na recuperação da indústria livreira brasileira, vamos continuar buscando a aprovação da Política Nacional de Regulação do Comércio de Livros, caso essa proposição legislativa não avance ainda este ano", afirma Marcos da Veiga Pereira, presidente do sindicato, lembrando do dispositivo que substitui a Lei 49/2015 mencionada por Pedri, da Livrarias Curitiba, mas que também prevê a regulamentação sobre o preço de capa das obras recém-lançadas.

Passando a régua em todos os discursos, vemos que ideias, propostas e algumas soluções existem, mas precisam ser colocadas em prática – o que, em muitos casos, significa brigar para que sejam transformadas em políticas públicas. Além disso, sem um governo e uma sociedade que não só garantam a liberdade intelectual, mas também – e primordialmente – incentivem a leitura de livros, dificilmente as livrarias conseguirão superar a crise na qual se encontram, o que, claro, impacta em toda a cadeia editorial, como estamos vendo nos últimos anos.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.