Brasileiro leva Orwell para HQ e diz que civilização é um pacto frágil
Cansados da maneira que são tratados na fazenda onde vivem, animais se rebelam contra o homem e tomam o lugar para si. O "animalismo" é instituído com um norte claro: arquitetar uma comunidade na qual nenhum bicho explore o outro, com todos trabalhando e lutando pelo bem-estar geral. Entretanto, aos poucos a coisa começa a desandar e Napoleão, o mais sagaz dos porcos e outrora um dos líderes do movimento, transforma-se em facínora que, com apoio dos cães, subjuga as outras espécies. Se após a revolução o lema da fazenda pregava que "Todos os animais são iguais", ao cabo a mensagem é: "Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros".
De forma bastante resumida, é essa a história de "A Revolução dos Bichos", clássico de George Orwell lançado em 1945. Na obra, o autor britânico constrói uma alegoria para mostrar o desmanche de nobres ideais e criticar regimes totalitários – o foco em mente era a ditadura stalinista, mas, com o passar do tempo, a narrativa passou a cair como uma luva para outros regimes que seguiram passos semelhantes àqueles dados pela União Soviética.
Coube a um brasileiro a primeira transposição no mundo da obra para quadrinhos. Odyr, coautor de graphic novels como "Copacabana" (Aeroplano, feito em parceria com Lobo) e "Guadalupe" (Quadrinhos na Cia, feito com Angélica Freitas), que assina a adaptação e as ilustrações de "A Revolução dos Bichos" publicada pela Quadrinhos na Cia, que conta com textos retirados do próprio trabalho de Orwell – em tradução de Heitor Aquino Ferreira, no caso da versão em português.
"É um livro mais sombrio do que imaginava ou lembrava, tem um pessimismo do Orwell ali, que era alguém que viu muito: a pobreza, o colonialismo, duas guerras… Mas tem um calor também, uma simpatia inegável pela revolução, essa parte me tocou muito e confesso que me encontrei bastante identificado com as agruras dos animais. Certamente gostaria que o livro acabasse melhor do que acaba", comenta em entrevista ao blog o quadrinista sobre a imersão no texto do britânico.
Com ilustrações feitas em tinta acrílica, Odyr imprime em suas páginas a emoção e o impacto dos momentos mais marcantes da narrativa de Orwell. Na leitura, difícil não se revoltar com o totalitarismo de Napoleão, não se chocar com o sangrento tribunal de inquisição ou não se emocionar ao ver Sansão, um bravo e querido cavalo, sendo levado pela carroça do abatedouro.
Desde que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, no ano passado, o interesse pelos livros de Orwell aumentou vertiginosamente – principalmente por conta de "1984", sua grande distopia que tão bem antecipou muitas das questões de nossos dias. Para Odyr, a HQ é mais uma oportuna peça para agregar aos atuais debates. "Tanto nesse livro como em '1984' ou em seus ensaios, Orwell é um defensor ardente da liberdade de pensamento, dos valores democráticos".
Falando especificamente sobre o Brasil, o quadrinista vê uma relação direta entre "A Revolução dos Bichos" e nosso momento político. "Ainda que a maior inspiração de Orwell tenha sido a Revolução Russa e o estado de terror e controle que criaram, as ameaças à democracia são constantes. Estamos neste exato momento lutando para que a ignorância e o autoritarismo não sejam nosso futuro. A civilização é um pacto frágil".
Apesar disso, Odyr não enxerga grandes paralelos entre os personagens da obra de Orwell e os atuais atores desse nosso cenário. "O sujeito inominável que representa a maior ameaça à nossa democracia desde o golpe de 1964 não tem 10% da inteligência estratégica perversa do porco Napoleão. Assim como Trump, não há mérito próprio em sua ascensão: são imbecis que calharam de representar nossos mais baixos impulsos e estar no lugar certo na hora certa". Não deixa de ser curioso, no entanto, que uma obra publicada em 1945 tenha um personagem como Moises, o corvo responsável por espalhar notícias falsas entre os animais da fazenda.
Odyr trabalhou nessa adaptação de "A Revolução dos Bichos" após receber um convite da Companhia das Letras, detentora dos direitos da obra do autor no Brasil. Antes mesmo de chegar às nossas livrarias, a HQ já teve seus direitos vendidos para editoras de outros quatro países: Mondadori, da Itália, Houghton Mifflin Harcourt, dos Estados Unidos, e as ramificações da Inglaterra e da Espanha da Penguin Random House.
Veja algumas páginas da HQ (clique nas imagens para ampliá-las):
Gostou? Você pode me acompanhar também pelo Twitter e pelo Facebook.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.