Que tiro foi esse, Neymar? É difícil ter empatia pelo atacante intocável
No jogo contra a medíocre Costa Rica até que demorou. Foram necessários 14 minutos para que Neymar voasse, se estatelasse no chão e se contorcesse sentindo dor, muita dor. É impressionante a fragilidade de Neymar. Cristiano Ronaldo leva porrada, faz careta e levanta. Messi leva porrada, puxa o meião e segue pro jogo. Com Neymar é diferente. Provavelmente com hipersensibilidade, qualquer peteleco é capaz de lhe proporcionar um sofrimento alucinante. A dor de Neymar é a maior dor do mundo.
Quando ele ainda estava no Santos, vira e mexe eu me preocupava achando que alguma bala perdida havia atingido suas sagradas canelas. Já acostumei, mas, depois do chiclete da Jojo Toddynho, o "que tiro foi esse" fica atormentando minha cabeça a cada vez que o frágil atacante parece lutar pela sobrevivência enquanto escarafuncha o gramado – ou seja, vivo com esse grude musical atrapalhando as ideias, é horrível.
Se diante da Costa Rica demorou para que viesse a primeira quase morte de Neymar, logo as coisas tomaram seu rumo habitual: tentativas de dribles, mergulhos e mais mergulhos para forjar faltas e reclamação, muita reclamação. Também é impressionante como o menino reclama. Deve ter ouvido muita gente por aí dizendo que "o craque tem que ser preservado". Acreditou na conversa e passou a querer levar essa palavra mundo afora, tentando convencer todo juiz de que ele é intocável. Isso me faz lembrar de um trecho de "O Segundo Tempo" (Companhia das Letras), mais um bom romance brasileiro calcado no futebol:
"Uma vez ouvi um técnico dizer que o joelho é o coração de um jogador. Imagino o que é entrar no campo sem firmeza, o corpo como um móbile suspenso pela boa vontade dos zagueiros. Só de pensar nas garras de uma chuteira, de lembrar que dentro da chuteira há o peso de um homem adulto, que esse peso pode cair todo sobre o que é mais importante na sua vida, a garantia do seu futuro, o sustento das pessoas mais próximas, só de lembrar disso imagino que alguém como Nilson se sentisse imobilizado, impedido de chegar a menos de um metro de Trasante. E, no entanto, o joelho machucado era o esquerdo — a faixa na direita servia justamente para atrair quem tem a missão de quebrar um centroavante ao meio". Se Neymar quisesse seguir estratégia semelhante à tática de Nilson, provavelmente teria que enfaixar algum de seus colegas – o Casemiro, talvez –, porque parece que todo o seu corpo é feito de pontos que lhe são tão vitais e frágeis quanto o coração ou, no caso de um boleiro, o joelho.
Coincidentemente, um dia desses estava vendo lances de Dener, craque revelado pela Portuguesa e que morreu antes que pudesse levar sua magia para todo o mundo. Impressiona que, a cada drible que dava, levantava as pernas ou inclinava o corpo para o lado para fugir de impiedosas machadadas de adversários, muito mais agressivas do que qualquer falta que vemos atualmente, mas nunca parava. Parecia ter consciência de que nenhum zagueiro rival está em campo para ficar assistindo bovinamente ao seu futebol.
Voltando ao duelo de sexta, ainda tivemos uma pataquada que merece entrar para o vídeo de melhores momentos da carreira de Neymar: o pênalti ridiculamente cavado e, na sequência, anulado. A cena dele se atirando de costas ao chão quando a mão do costa-riquenho já estava distante de seu corpo é de uma comicidade rara, digna dos palhaços mais canastrões do circo da esquina.
Neymar sabe tudo de bola. É craque e teria potencial para alcançar o status de gênio. Só que é justamente o seu gênio que torna as coisas mais difíceis. Adoraria gostar de Neymar para poder curtir sem ranço algum todo o futebol que joga, mas a cada mergulho ao chão, a cada contorção de dor após um simples aperto de mão, a cada chiadeira com o juiz fica mais difícil ter alguma empatia pelo atacante.
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