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A nova moda da autoajuda é ligar o F…, mandar à M… e abraçar o fracasso

Rodrigo Casarin

21/03/2018 10h48

"Pesquisas indicam que, tendo nossas necessidades físicas básicas (comida, abrigo etc.) supridas, a correlação entre felicidade e sucesso material a partir desse ponto se aproxima rapidamente do zero. Isto é: se você passa fome e mora na sarjeta, dez mil dólares a mais por ano teria um grande impacto no seu nível de felicidade; para a classe média de um país bem estruturado, dez mil dólares a mais por ano quase não teria impacto na sua vida — o que significa que você está se matando de trabalhar por basicamente nada".

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"Estamos sendo enganados quando se omite que a sabedoria é um caminho, e não um objetivo. Um caminho difícil… que evitamos enfrentar na era da facilidade. O desânimo prevalece. Apesar dos conselhos 'fáceis' que nos oferecem em toda parte, continuamos com raiva, impacientes, frágeis, vulneráveis. Alimentamos uma profunda culpa por isso, sinal de nosso fracasso em estar à altura desse ideal absurdo que nos impõem… Uma confusão incrível nos impede de compreender o que é um verdadeiro sábio".

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A primeira citação é de "A Sutil Arte de Ligar o F*da-se" (Intrínseca), de Mark Manson. A segunda, de "A Arte Francesa de Mandar Tudo à Merda" (Planeta), de Fabrice Midal. Ambos são representantes de uma vertente da autoajuda que vem conquistando um considerável público de leitores. Além dos títulos muitas vezes agressivos, o cerne dessas obras é semelhante: com uma linguagem acessível e por vezes humorada, mostrar que devemos nos preocupar menos com o que o mundo teoricamente espera de nós e assumir que somos seres falhos. Menos otimista do que o comum para obras do tipo, esse seria um caminho primordial para que descobríssemos o que realmente nos realiza e consequentemente pudéssemos ter bons momentos da sempre efêmera felicidade – de certa forma, é a mesma mensagem que passa o livro infantil "A Parte que Falta" (Companhia das Letrinhas), de Shel Silverstein, que virou hit após a youtuber Jout Jout lê-lo em seu canal.

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Os números de "A Sutil Arte de Ligar o F*da-se" confirmam a força dessa espécie de autoajuda para as novas gerações. No Brasil, a obra já vendeu mais 130 mil exemplares. Desde a segunda metade de dezembro do ano passado que ela aparece de maneira ininterrupta na lista semanal dos mais vendidos do Publishnews, ranking que atualmente lidera. Além disso, está há 11 semanas consecutivas na listagem da revista Veja, onde puxa a fila da autoajuda, e também aparece com destaque na relação do jornal O Globo. Nos Estados Unidos, onde foi lançado originalmente, figurou durante algumas semanas entre os best-sellers do New York Times.

"'A Sutil Arte de Ligar o F*da-se' parte do princípio de que vivemos em uma cultura que nutre expectativas pouco realistas para as nossas vidas. Queremos ser mais saudáveis, mais ricos, mais populares, mais produtivos e mais admirados. Todos os dias somos levados a acreditar que a felicidade está em ter mais, fazer mais, ser mais. Frustração e fracasso não são permitidos. A inovação desse livro é justamente ir na contramão disso tudo, atuar como uma espécie de anti-autoajuda", argumenta Christiane Ruiz, editora da Intrínseca, ao comentar o sucesso do título.

Mark Manson.

Delicadeza francesa

"A Arte Francesa de Mandar Tudo à Merda" também foi bem em seu país natal (a França, evidentemente), onde ficou por mais de cinco meses em listas dos mais vendidos. Midal, o autor, é doutor em filosofia pela Universidade de Paris, fundador da The Western School of Meditation e uma autoridade quando o assunto é meditação. Juntando essas duas frentes, dedica-se no texto a derrubar crenças a respeito da vida e do próprio ato de meditar.

Diretor Editorial da Planeta, Cassiano Elek Machado encara esses títulos como uma renovação da autoajuda. "Desde que o gênero moderno de autoajuda se estabeleceu como um fenômeno de vendas ele sempre conviveu com o desdém de grupos muito significativos que o tratavam como um gênero cafona, para pessoas mais velhas ou sem cultura geral. Mas a autoajuda também é totalmente aplicável, e 'ajudável', para jovens cools. E é aí que entram estes títulos como o 'Arte Francesa', o 'Sutil Arte' e também os livros de Jen Sincero [autora de 'Você é Fera'], entre outros. O interesse vem, de alguma forma, da mesma fonte que abastece os leitores de autoajuda tradicional: desacertos com a vida cotidiana, inseguranças, frustrações, sentimentos universais que podem, eventualmente, serem apaziguados com leitura".

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Linha próxima segue Charles Pépin, outro filósofo francês, autor de "As Virtudes do Fracasso", que já vendeu 65 mil exemplares na França, onde saiu há dois anos, teve os direitos negociados para 14 países e chega ao Brasil pela Estação Liberdade. Na obra, Pépin explora a biografia de celebridades como o político Abrahan Lincoln, o empresário Steve Jobs, o tenista Rafael Nadal e a escritora J. K. Rowling para mostrar como adversidades podem ser transformadas em aprendizados ou até mesmo oportunidades para grandes realizações.

Momento do país

Em que pese o sucesso desses livros em outros países (como os já citados França e Estados Unidos), impossível não pensarmos que a boa aceitação no Brasil tenha a ver com o péssimo momento político, econômico e social que atravessamos – ou alguém não tem vontade de ligar o foda-se, mandar tudo à merda ou abraçar o fracasso ao olhar para as notícias cotidianas? Nas entrevistas ao blog, os editores também falaram sobre isso:

"É natural que em países que vivam cenários conturbadíssimos como os nossos, onde a incerteza e o desânimo com a política convivem com crises de todas as espécies (que culminam mesmo em assassinatos políticos), exista mais propensão a angústias, e portanto mais abertura para livros que tentem tratar destas feridas, mesmo que em nenhum dos livros que citei haja qualquer menção aos tipos de crises concretas que vivemos em nosso país", diz Cassiano.

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"Mark Manson afirma que só podemos nos importar com uma quantidade limitada de coisas, e ligar o foda-se é saber separar o que importa do que não importa e aprender a deixar de lado o que é dispensável. Ao ressaltar, com muito humor e irreverência, que precisamos reorientar nossas expectativas, tornando-as mais realistas, o livro oferece aos leitores um tipo de conforto – especialmente num momento como esse pelo qual o país está passando. Dominar essa arte sutil de ligar o foda-se é transformar a nossa visão das coisas e isso é libertador", pontua Christiane.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.