Romances, HQ, autobiografia… quatro livros novos que merecem a sua leitura
Está procurando algum bom livro para ler? Olha só, tenho quatro dicas de títulos que li recentemente e gostei bastante:
"Tudo Pode Ser Roubado" (Todavia), de Giovana Madalosso: Giovana já tinha se destacado com seu livro anterior, "A Teta Racional" (Grua), cujo conto que dá nome ao título é excelente, daqueles que merecem ser lido por todos. Agora, em seu primeiro romance, coloca-se como uma das vozes mais interessantes de sua geração (tá, seu que essa frase é um tanto batida, mas é raro me ver falando isso, pode procurar por aí). É bem-humorada, cínica e com abordagens originais para diversas questões.
"Tudo Pode ser Roubado" narra a história de uma garçonete que tem um hábito peculiar: roubar as pessoas com quem faz sexo – ou fazer sexo para, na sequência, ter a oportunidade de roubar essas pessoas. Certo dia recebe uma proposta: usar esse seu talento para afanar um exemplar raro e caríssimo de "O Guarani", clássico de José de Alencar. Topa a empreitada, é claro.
CONTO SOBRE O LADO SOMBRIO DA MATERNIDADE É DESTAQUE NO BOM LIVRO DE ESTREIA DE GIOVANA MADALOSSO
Uma garçonete ladra, um vagabundo profissional que odeia David Bowie, uma travesti receptora de mercadorias de luxo roubadas, um machão criminosamente agressivo com problemas em assumir suas preferências sexuais, um professor universitário depressivo que tudo idealiza… Os personagens são um bom retrato da São Paulo contemporânea, onde a história se passa, e a maneira como praticamente todos eles agem para levar vantagem em cima dos outros também é uma boa representação de como é a vida na cidade.
"Pai, Pai" (Alfaguara), de João Silvério Trevisan: é impressionante a força e a franqueza desse relato autobiográfico de João Silvério Trevisan, autor também de livros como "Ana em Veneza" e "Rei do Cheiro". Em muitos momentos, principalmente pela maneira que apresenta passagens traumáticas da infância, a leitura me fez lembrar de "Instrumental" (Rádio Londres), a brutal autobiografia do músico James Rhodes, uma das leituras que mais me marcaram no ano passado.
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"Pai, Pai" é um expurgo, uma espécie de acerto de contas de Trevisan com José, seu pai – é claro -, um alcoólatra que parecia desconhecer palavras como "carinho" e "afeto". "Quando bebê, não tenho condições de supor os eventuais carinhos que o homem tornado meu pai possa ter me oferecido. Mas, a partir da eclosão da consciência, minha memória não registra um único gesto de afeto que meu corpo tenha recebido da mão paterna, nem alguma graça da sua palavra. Não lembro de meu pai jamais ter me dirigido a palavra, exceto para me dar ordens, me censurar ou me xingar. De criança, eu examinava aquele homem à distância e tentava encontrar algum elo para além do acaso de ter me proporcionado o início da vida, e pouco mais. Não sem perplexidade, eu me sentia gerado por um estranho", registra o autor. E a brutalidade paterna não é a única presente no livro, no qual Trevisan, ao cabo, reconstrói sua formação e trajetória emocional.
"O Maestro, o Cuco e a Lenda" (Texugo Editora), de Wagner William: um dos filmes que marcaram a minha infância foi "Menino Maluquinho", de Helvécio Ratton, lançado em 1995. Da história, recordo principalmente de três cenas do próprio Maluquinho: quando ele zoa com outros moleques dando um pedaço de pau besuntado de fezes para que eles segurarem, dele pegando no gol e vislumbrando defesas impossíveis (eu também era goleiro quando pequeno) e dele percebendo que o avô, morto, não estava dormindo na cadeira.
DE GTA A NIETZSCHE, ILUSTRADOR FAZ HQ REPLETA DE REFERÊNCIAS À CULTURA POP
O que isso tem a ver com "O Maestro, o Cuco e a Lenda"? Pouco. A história também se passa em um sítio e tem um avô como um dos principais personagens. Além disso, é um mergulho do protagonista na sua própria infância. Mas o tom da HQ é fabulesco e muito mais melancólico; nela a infância é bem menos idealizada do que no filme baseado na obra de Ziraldo. Ainda assim, a leitura desse novo trabalho de Wagner William, autor do excelente "Bulldgoma" (Veneta), tem como um dos grandes méritos fazer com que o próprio leitor acesse suas memórias remotas – no meu caso, o filme de "O Menino Maluquinho", por exemplo. Marca do quadrinista, os easter eggs também estão presentes nesse trabalho.
"Canção de Ninar" (Tusquets), de Leïla Slimani: o aparato de divulgação no entorno da obra é agressivo: selo informando que o livro é best-seller internacional – vendeu mais de 600 mil exemplares só na França -, um Goncourt, o mais importantes prêmios literários franceses, na bagagem, comparação com "Garota Exemplar", de Gillian Flynn, e a promessa da história de uma baba assassina. Tudo nos leva a crer que estamos diante daqueles livros que seguem à risca a fórmula dos campeões de venda. Seria a babá uma serial killer que precisa ser detida a todo o custo?
Não, "Canção de Ninar" é muito mais do que isso. Logo nas primeiras linhas nós já descobrimos que um bebê está morto e que a menina não irá sobreviver. A grande questão é: o que levou a babá a fazer aquilo? A narrativa acompanha Louise, contratada para ficar com os filhos de Myriam e Paul enquanto estes passam os dias longe de casa, seja trabalhando, seja em festas e jantares com amigos. Louise vive dando mais atenção às crianças e mimando os próprios patrões do que afagando os seus, cuidando de sua própria vida, que, na periferia de Paris, degringola terrivelmente. Enquanto isso, é requisitada – quase que obrigada – a passar noites longe de casa cuidando de filhos que não são seus e escalada para uma viagem à Grécia – afinal, Myriam e Paul precisam se divertir e descansar enquanto terceirizam a criação dos rebentos.
Uma frase de Paul a Myriam quando ele informa que a babá os acompanhará até o país no Mediterrâneo, aliás, é emblemática: "E a Louise vai ficar tão feliz: afinal, o que ela teria de melhor para fazer?" Me parece ser bem o pensamento de muitos por aí: o que a babá tem de melhor para fazer se não ficar cuidando do filho dos outros, bajulando adultos e aguentando assédios e humilhações para que possa manter seu emprego, enquanto percebe que não possui força alguma para controlar a própria vida? Leïla Slimani, que nasceu em Rabat, Marrocos, e vive desde os 17 anos em Paris é um dos nomes confirmados para a Flip deste ano.
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