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Yuval Harari: Revolução Agrícola foi a grande cilada da história humana

Rodrigo Casarin

19/01/2018 08h54

"Não há indícios de que as pessoas tenham se tornado mais inteligentes com o tempo. Os caçadores-coletores conheciam os segredos da natureza muito antes da Revolução Agrícola, já que sua sobrevivência dependia de um conhecimento íntimo dos animais que eles caçavam e das plantas que coletavam. Em vez de prenunciar uma nova era de vida tranquila, a Revolução Agrícola proporcionou aos agricultores uma vida em geral mais difícil e menos gratificante que a dos caçadores-coletores. A Revolução Agrícola certamente aumentou o total de alimentos à disposição da humanidade, mas os alimentos extras não se traduziram em uma dieta melhor ou em mais lazer. Em vez disso, se traduziram em explosões populacionais e elites favorecidas. Em média, um agricultor trabalhava mais do que um caçador-coletor e obtinha em troca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história".

Um dos méritos de "Sapiens – Uma Breve História da Humanidade", de Yuval Noah Harari, é a toda hora confrontar as certezas do leitor – ou alguém aqui aprendeu na escola que a Revolução Agrícola, decisiva para que o mundo tenha se transformado no que temos hoje, pode ter sido uma fraude? Continuando a falar sobre a obra – publiquei o primeiro texto a respeito dela na semana passada -, dessa vez trago o que há de mais interessante em sua segunda parte, que foca exatamente no período em que o homem deixou de ser nômade de vida boa, que apenas coletava ou caçava sua comida na natureza, para, segundo o autor, tornar-se praticamente um servo de grãos como o trigo.

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Harari refuta que a Revolução Agrícola tenha melhorado a vida dos seres humanos. Explica que antes trabalhávamos muito menos, contávamos com mais tempo para o lazer e para o ócio e, pasmem, tínhamos uma alimentação muito mais saudável e principalmente diversa do que aquela que a agricultura nos proporcionou. Mas por que o homem, então, seguiu esse caminho? Simples, porque, por mais que a vida não fosse tão boa como era antes, agora havia a possibilidade de que muito mais pessoas fossem alimentadas em uma pequena área. Para a evolução da espécie, era melhor mil cidadãos trabalhando mais e comendo mal do que apenas 100 indivíduos vivendo do que estava ao seu alcance.

Antes era essa a pegada.

Em pouco tempo – coisa aí de mil anos -, os homens já viviam em aldeias onde a mortalidade infantil era extremamente alta e as doenças se alastravam de maneira nunca antes vista. Além disso, precisavam trabalhar cada vez mais para que mantivessem a perspectiva de uma vida melhor no futuro, ainda que com alguns pequenos luxos no presente. E, mais uma vez, por que os humanos não abandonaram a agricultura quando se depararam com tal realidade? O autor responde:

"Em parte, porque demorou gerações até que pequenas mudanças se acumulassem e transformassem a sociedade, e, a essa altura, ninguém se lembrava de quem algum dia vivera de modo diferente. E, em parte, porque o crescimento populacional não deixou outra alternativa aos humanos. Se a adoção do arado aumentou a população de um vilarejo de 100 para 110, que dez pessoas teriam se voluntariado para passar fome enquanto as demais poderiam voltar aos bons velhos tempos? Não havia volta. A armadilha fora acionada".

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Um dos grandes méritos de Yuval ao longo de "Sapiens" é não se limitar ao relato do nosso passado, mas mostrar como continuamos escolhendo caminhos – ou caindo em armadilhas – semelhantes. Nesse sentido, esse trecho é exemplar:

"A busca de uma vida mais fácil resultou em muitas dificuldades, e não pela última vez. Acontece conosco hoje. Quantos jovens universitários recém-formados aceitam empregos exigentes em empresas importantes, prometendo que darão duro para ganhar dinheiro que lhes permitirá se aposentarem e irem atrás de seus verdadeiros interesses quando chegarem aos 35? Mas, quando chegam a essa idade, eles têm grandes hipotecas para quitar, filhos para educar, casas em zonas residenciais que necessitam pelo menos de dois carros por família e uma sensação de que a vida não vale a pena sem um bom vinho e férias caras no exterior. O que se espera que façam, voltem a arrancar raízes? Não, eles redobram seus esforços e continuam se escravizando. Uma das poucas leis férreas da história é que os luxos tendem a se tornar necessidades e a gerar novas obrigações".

Logo mais eu volto com a terceira parte do livro: "A Unificação da Humanidade".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.