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Mais humilde e diversa, com banalização do “Fora, Temer” e marcada pela violência: balanço da Flip

Rodrigo Casarin

31/07/2017 14h25

Espectadores curtem a programação pela tenda do telão. Foto: Iberê Périssé.

Ontem chegou ao final a 15ª edição da Flip, que neste ano homenageou Lima Barreto. Aqui, minhas impressões sobre o evento:

Flip menor: a constatação mais óbvia da Flip deste ano é que ela foi menor. Com um orçamento que cai a cada ano desde 2013, o jeito foi parar de megalomania e voltar a ter os pés no chão – um evento literário não precisa ser um show de rock, como chegaram a comparar em uma edição passada. Estrutura enxuta, concentrada no entorno da Igreja da Matriz, público bom, mas visivelmente menor do que outrora… tudo isso colaborou para que o clima da Flip deste ano, mais humilde, fosse o melhor entre as edições que acompanhei in loco – todas desde 2014.

Flip mais diversa: outra constatação fácil é a da diversidade: se na programação principal tivemos, pela primeira vez, 30% de autores negros e uma igualdade no número de mulheres e homens, isso, aparentemente, se refletiu nas ruas de Paraty. Neste ano, o evento atraiu um público mais plural, felizmente.

Programação: há quem critique a programação feita pela curadora Joselia Aguiar dizendo que faltou uma grande estrela literária nesta edição da Festa. Entendo o apontamento, mas não acho que, artisticamente, trazer estrelões seja algo imprescindível – comercialmente já é outra história, mas não entrarei nesse campo. Algumas mesas não funcionaram muito bem, é verdade, mas tivemos sim momentos memoráveis, como a participação da ruandesa Scholastique Mukasonga, a fortíssima performance "Fruto Estranho", de Adelaide Ivánova, sobre o feminicídio que vivemos (vídeo abaixo), e a surpreendente intervenção da professora Diva Guimarães, que, da plateia, tornou-se o principal destaque da Flip deste ano. Torço para que a organização mantenha Joselia como curadora.

Igreja: quando anunciaram que o palco principal da Flip seria montado dentro da Igreja da Matriz, fiz críticas. No entanto, o resultado foi muito melhor do que eu imaginava. O espaço ficou esteticamente bonito e momentos como Luiz Antonio Simas cantando um ponto de umbanda e Frederico Lourenço questionando a virgindade de Maria, mãe de Jesus, tiveram uma força simbólica gigante graças ao local.

Programações paralelas: em que pese a ausência de casas tradicionais, como a da Rocco, as programações paralelas continuaram acontecendo, atraindo um bom público e rendendo momentos memoráveis, como Scholastique Mukasonga fazendo na rua sua "mesa" com Simone Paulino e Leonardo Tonus organizada pela Casa Paratodos. Como já virou rotina, o Sesc também contou com uma grade de debates interessantíssima – dos que vi, destaco o quente e humorado papo entre Cida Pedrosa e Franklin Carvalho, mediado por Schneider Carpeggiani.

Violência: em 2015 tinha sido o italiano Roberto Saviano, agora o carioca Anderson França que cancelou sua presença na Flip, em uma das mesas da programação paralela, por conta da violência – veja mais sobre o caso aqui. Reflexo do país em que vivemos, claro, mas o centro histórico de Paraty é uma ilha cercada de policias por todos os lados que tentam garantir a tranquilidade dos turistas em meia dúzia de quarteirões de uma das cidades mais violentas do Rio de Janeiro. Já tinha falado sobre isso em 2015, inclusive.

Fora, Temer: em mesas, na plateia e aqui e ali pelas ruas de Paraty era possível ouvir urros de "Fora, Temer", como já havia acontecido no ano passado. O que era para ser um grito de protesto, virou praticamente um bordão compartilhado entre amigos. Banalizada, a expressão esvaziou e há muito perdeu a força política. Principalmente quando matraqueada pelas ruas da cidade durante a Flip, não causa mais impacto algum.

Preços em Paraty: o público diminuiu, o país está em uma crise gravíssima, mas os preços em Paraty – principalmente nos bares e restaurantes – parecem só aumentar. Meu principal balizador para o comportamento das cifras na cidade é a cachaça, e a Engenho D'Ouro maturada em carvalho francês, minha local favorita, passou de cerca de R$75 no ano passado para R$99 este ano. Voltei sem nenhuma garrafa na mochila – primeira vez que isso me acontece.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.