Programação mais cabeça e assumidamente militante (que não merecia uma igreja); 7 comentários sobre a Flip
Há pouco a organização da Flip anunciou a programação para a 15ª edição do evento, que acontece entre os dias 26 e 30 de julho. Destaco aqui alguns pontos a respeito da Festa deste ano:
– Joselia Aguiar, a curadora, deixou claro que a programação – composta por uma maioria de mulheres e com quase um terço de autores negros – reflete sua preocupação com temas como o racismo e o machismo, tanto que, para selecionar os nomes, foi ouvir entidades e grupos que representam minorias. Não deixa de ser um importante efeito colateral das críticas que Paulo Werneck, curador da edição passada, recebeu por não ter incluído nenhum escritor negro na programação que assinou. Ponto para Joselia.
– A Flip deste ano não terá nenhum nome de grande impacto, daqueles que mesmo pessoas com escassa intimidade com o meio literário conhecem, como Neil Gaiman, Chico Buarque, Robert Crumb ou até mesmo Irvine Welsh, convidados de edições passadas. Marlon James, Paul Beatty, Deborah Levy, Sjón e Scholastique Mukazonga, as estrelas de 2017, são pouco conhecidos do grande público. Isso não chega a ser um problema, claro; a tendência é que a literatura volte a ocupar um lugar central nas conversas, muitas delas fortemente pautadas pela vida e pela obra de Lima Barreto, o homenageado da vez.
NEGRO, MARGINAL E REBELDE, LIMA BARRETO SERÁ O PRÓXIMO HOMENAGEADO DA FLIP
– Digo que isso não chega a ser um problema levando em conta a qualidade do evento e dos debates. Agora, se a métrica de sucesso for exclusivamente a quantidade de público, aí a Flip pode ter problemas. Como as pessoas reagirão à programação que se despe de qualquer tentativa de ser pop? Bom, o espaço principal da Festa terá uma capacidade quase que 50% menor do que nas edições passadas, o que já é um indicativo.
– É muito bem-vinda a redução no número de autores publicados pela Companhia das Letras, que continua sendo a editora com a maior quantidade de nomes na programação, mas sem o esmagador domínio dos últimos anos. Isso deve contribuir muito para a pluralidade das ideias e para que tenhamos múltiplas formas de se encarar a literatura.
– Também é bem-vinda a volta de autores da Record (gente como o ótimo Alberto Mussa) à programação. Escritores da casa andavam distantes do palco principal da Flip após algumas troca de farpas entre o editor Carlos Andreazza e a organização da Festa. Já tinha passado da hora de deixarem as picuinhas de lado – ou ao menos entenderem que escritores incontornáveis como o próprio Mussa (que esteve lá em 2005, bem antes dos bate-bocas) não podem ficar de fora do evento por conta de atritos de bastidores.
MONTAR A PROGRAMAÇÃO É ESPÉCIE DE "TINDER IMAGINÁRIO", DIZ CURADORA DA FLIP
– Dois nomes que eu gostaria de ver na Flip e que não estão na programação? Edyr Augusto e Samanta Schweblin. Ele, paraense, porque é um dos nossos melhores escritores contemporâneos, o que não parece ser suficiente para que lembrem de seu nome nos eventos literários que acontecem pelo país. Ela, argentina, porque já merecia ter dado as caras em Paraty quando a Benvirá publicou "Pássaros na Boca", em 2012; no ano passado a Record lançou o impactante "Distância de um Resgate", era mais uma chance de termos a Samantha por aqui.
– Por fim, acho muito estranho um evento literário acontecer dentro de uma igreja, ainda mais quando temos Lima Barreto como homenageado – para quem não sabe, neste ano o palco principal será montado dentro da Igreja da Matriz. A maneira como o mercado editorial e as religiões vêm se relacionando me preocupa há algum tempo (já falei sobre isso aqui, aqui e aqui), e é simbolicamente assustador que o acontecimento literário mais relevante do país vá para um lugar que durante séculos boicotou conhecimento. Não bastasse, Lima criticava a Igreja Católica por ser uma entidade que sempre prezou pelos mais privilegiados. É estranho levar tamanha diversidade e militância para um ambiente tão associado ao conservadorismo.
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