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“Katia Flávia é o meu Batman” - uma água com Fausto Fawcett

Rodrigo Casarin

02/07/2016 20h24

 

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Não é fácil arrumar um bar que passe jogos de futebol durante a Flip. Mas Fausto Fawcett, torcedor fanático do Fluminense, queria assistir ao Alemanha x Itália das quartas de final da Eurocopa. Depois de rodar um pouco, encontramos um canto para acompanhar o segundo tempo, prorrogação e os pênaltis. Enquanto isso, um papo regado à água e refrigerante. Sim, água e refrigerante: Fausto não bebe álcool desde 2008, mas deixemos esse assunto para algumas linhas abaixo.

O escritor, jornalista e dramaturgo está pela Flip para participar do "Trocadores do Miocárdio", parte da programação do Sesc, sarau que surgiu em 2012, acontece uma vez por mês no centro de São Paulo e agora começa a frequentas outras plagas. Fausto também continua escrevendo literatura – lançou no ano passado "Pororoca Rave" pela Tinta Negra e em breve deverá entregar um novo livro à editora Encrenca -, teatro (prepara o roteiro de uma adaptação de "Salomé", baseado na obra de Oscar Wilde) e nas Olimpíadas tocará um projeto cinematográfico pelas ruas cariocas. "O fundo do poço tem um barulho de festa. Mesmo com toda essa falência, alguma festa vai rolar" acredita sobre o evento.

Mas não tem jeito, ao ouvir o nome de Fausto Fawcett, impossível não pensar em Katia Flávia, a Godiva do Irajá, sua mais palpável criatura, nascida da mistura que envolve leitura de clássicos como Miguel de Cervantes com HQs de super-heróis e informações de revistas mequetrefes de ciência que o autor comprava em bancas na juventude. "Quando era pequeno, queria ser o Stan Lee, ganhar dinheiro com quadrinhos, e sempre gostei dos personagens mais sombrios. De certa forma, Katia Flávia é o meu Batman".

Mas como anda a ex-miss Febem que só usa calcinhas comestíveis e calcinhas bélicas? Muito bem. "A relação com ela é a melhor possível. Ela é uma ode ao tipo de mulher perigosa, poderosa. Mas não empoderada, viu, não tem nada desses jargões sociológicos. É algo mais mitológico mesmo, que vem lá de cinco mil anos atrás", conta o criador da loiraça belzebu.

E não teria como existir Katia Flávia se não fosse a realidade convulsiva e efervescente Copacabana na qual Fausto estava inserido na década de 80 e começo da 90. "Entre a Praia do Júnior e o Posto 5 tinha a faixa do gozo. Ali havia toda a oferta de garotas, travestis, erotismo, crimes… e isso junto da população conservadora", lembra. "Aquilo era um estímulo para escrever, a humanidade estava retratada ali com uma fratura exposta, era para quem gostava de uivar mesmo. Nos bares vocês encontrava de tudo, desde traficantes e garotas seminuas até engenheiros e cirurgiões que iam lá só para ficar no grau, para usar uma expressão moderna. O jet set se misturava com o bicho solto".

Essa vida lhe tragou, claro. Bebia em doses industriais: uma ou duas garrafas de uísque – sua paixão etílica -, conhaque ou cachaça por dia, sempre junto de incontáveis cervejas ou copos de chope. Tal indústria funcionava cerca de cinco vezes por semana, apesar de ser paralisada quando Fausto precisava escrever. "Gostava de começar a beber sozinho, só eu e a garrafa, assim conversava comigo mesmo".

O corpo aguentou o ritmo frenético por mais de 20 anos, mas uma hora se rebelou. "Precisei parar porque, mais do que o fígado com problema, meu coração tava do tamanho de um elefante. Só sobrevivi porque não praticava o combo completo, era só álcool mesmo, sem fumar e cheirar". Então, com o sobrevivente, fomos de água e refrigerante até Darmian praticamente recuar a bola para Neuer e Jonas Hector converter o pênalti da vitória alemã.

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.