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Sérgio Sant’Anna: O futebol arte tem que andar junto com a eficiência

Rodrigo Casarin

26/07/2018 13h17

José Augusto do Prado Fonseca, o Conde, é um craque. Descoberto no futebol de areia, ganha uma chance no Fluminense, onde mostra seu talento, mas também suas predileções. Mais preocupado em se divertir do que em levar o jogo a sério, a carreira do boleiro toma um rumo aquém do imaginado. Em um momento crucial, já atuando por um time pequeno do Rio, executa a cobrança de pênalti perfeita: bola humilhantemente lenta, no lado oposto ao que o goleiro escolhera, para acariciar a trave e se amansar além da linha do gol. Só que a vida prega surpresas e a redonda acaba beijando o poste e se afastando da meta. É a ruína de Conde.

"Mas por que você bateu tão devagar?", perguntam depois para o craque.

"Pois eu vou lhe dizer. Pensei na beleza e na graça do lance. Não é para isso que as pessoas vão ao futebol?".

Não é para isso que as pessoas vão ou veem o futebol? Fiz essa pergunta há pouco para Sérgio Sant'Anna, o autor de "Páginas sem Glória", a novela que apresenta Conde aos leitores, parte do livro homônimo publicado em 2012 pela Companhia das Letras. Para ele, há sim muita gente que ainda acompanha o futebol pelo maravilhamento, pela graça de cada lance. "Eu gosto da beleza do futebol. O problema é que o futebol brasileiro está exportando todo mundo e o nível aqui está baixo. A Champions, por exemplo, é um futebol melhor para assistir".

Apaixonado pelo Fluminense (faz questão de deixar claro que o fanatismo por um clube e a brutalidade que leva pessoas a "deprimentemente" se digladiarem com torcidas adversárias são coisas diferentes), admite, no entanto, que, quando o tricolor carioca está em campo, certo pragmatismo pode ser melhor do que lances mágicos. O que vale mesmo é a vitória, ainda mais com o time atual. Reconhece, inclusive, que seu humor muda de acordo com as partidas do clube. "Se o Fluminense perde, é difícil assimilar. Ontem não consegui ver o jogo porque a emissora de TV estava fora do ar, mas fiquei assistindo ao Vasco para acompanhar o resultado. Pensei que seria muito difícil termos uma vitória contra o Palmeiras", comenta, referindo-se ao 1X0 no Maracanã.

Exímio em contos e novelas, Sérgio é um dos grandes escritores de nossos dias – não são poucos os que o consideram o maior nome em atividade da literatura brasileira. Uma das principais atrações da Flip deste ano, é comum que o autor faça referências ao futebol em seus textos. A primeira vez foi no longínquo 1973, no conto "No Último Minuto", do livro "Notas de Manfredo Rangel, Repórter". Já em "Anjo Noturno", seu trabalho mais recente, personagens lembram de quando ainda jogavam peladas e comemoram ao encontrar amigos intelectuais que também saibam falar sobre o jogo.

Futebol não costuma ser um assunto presente nas mesas da Flip, mas seria uma boa se dessem a oportunidade para Sérgio falar sobre a recente Copa do Mundo, por exemplo, ao menos para mostrar que bola e literatura podem andar juntos numa boa. "O Brasil não estava lá essas coisas. Não era uma grande seleção brasileira. Não era como a de 1982 e as que foram campeãs do mundo – menos a do Parreira, a da Copa de 1994 foi muito feia, com aquele esquema retrancado. Mas tinha o Romário. Dessa vez não teve ninguém que fizesse a diferença. O Neymar decepcionou todo mundo".

Sem ter a seleção para torcer nas semifinais e finais, Sérgio ao menos pode se dedicar ao simples deleite do esporte. "Gostei de ver a França e a Bélgica, foram os melhores time da Copa e, se não tivessem jogado antes, teriam feito a final mais justa. Mas o futebol tem o imponderável, né!? A própria Bélgica quase perdeu pro Japão…". Individualmente, seu destaque vai para Mbappé, o craque francês. "Acompanho jogos do PSG e já conhecia o futebol dele, mas gostei muito do que vi na Copa. Hoje o futebol arte tem que andar junto com a eficiência, e o Mbappé une isso".

Viajei a Paraty a convite da EDP Brasil.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.