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O que fazer se eu perder completamente a vontade de ler?

Rodrigo Casarin

26/01/2018 10h31

Cansei, não estou mais a fim.

Sim, você fez a resolução de ano novo e começou a ler mais neste ano, pensou até em comprar um leitor digital e já viu alguns livros que o farão tomar gosto pela leitura, mas em alguma hora se cansará de ler, pode ter certeza. Em algum momento, todos os livros irão parecer completamente chatos, totalmente desinteressantes. Não se desespere. Isso é normal, creio, principalmente enquanto o hábito ainda está em desenvolvimento.

Creio que é normal porque, por obrigação profissional, preciso ler cansado ou não. Mas frequentemente me sinto fatigado de atividades que pratico por hobby: jogar videogame, correr, fazer churrasco, tomar cerveja… Mentira, de tomar cerveja eu também não me canso. Mas o que faço quando isso acontece? Me cerco de referências sobre o assunto.

Peguemos o exemplo da corrida. No ano passado, redondo, resolvi voltar a correr para perder um tanto de peso. Fazer 1km contínuo foi um sacrifício. 5Km, um processo bastante regrado. 10Km, a meta inicial, algo que levou meses. Então, ter físico para participar de uma corrida de 15km, que era a meta do ano, foi algo para o qual tive que me dedicar ao longo de todo 2017. Foram muitos os momentos nos quais pensei "Cansei, não estou mais a fim", "Não quero treinar hoje" ou "Dane-se a corrida, viva o macarrão à carbonara!".

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Tenho consciência de que, se vacilar, esses pensamentos deixam de ser pontuais, dominam a minha cabeça e rapidinho eu volto a não conseguir correr 1km. Então, quando bate o "Cansei", me cerco de referências sobre corrida. Assisto vídeos de canais de corredores no Youtube, leio algum livro – sempre livros! – sobre o assunto, pesquiso sobre provas e descubro algumas que adoraria fazer, penso em novas metas, dou uma olhada na parafernália de corrida que tenho e em outras que gostaria de comprar… Isso normalmente faz com que eu retome a vontade de sair correndo pela avenida aqui perto de casa no final de cada tarde, muitas vezes sob as típicas chuvas do verão de São Paulo.

Com a leitura o caminho pode ser semelhante. Cansou de um livro? Vai para outro. Cansou de novo? Mais um. Cansou sem nem ao menos ler as três primeiras páginas? Bom, aí o problema pode ser você. Tire uns dias de folga da leitura – uns dois ou três. Depois, se a vontade não voltar, veja filmes baseados em livros, descubra canais de leitores no Youtube, leia blogs sobre o assunto, tente encarar ensaios de revistas especializadas, garimpe escritores e encontra nomes que jamais ouviu falar…

E volte ler, evidentemente. Nessa volta, uma boa pode ser algum livro que fale justamente sobre livros. Leve e despretensioso, "Fantasma na Biblioteca" (Civilização Brasileira) é um bom exemplo de obra do tipo. Nele, o editor e tradutor francês Jacques Bonnet, um dos maiores bibliófilos do mundo, passeia pelos momentos mais marcantes da sua íntima relação com livros.

"(Cheguei a ter um banheiro com as paredes atapetadas de prateleiras, o que impedia o uso do chuveiro e obrigava a tomar banho com a janela aberta por causa da condensação; e também em minha cozinha, o que proibia certo número de alimentos com cheiro particularmente impregnante. Como muitos de meus confrades, demorei a ter meios imobiliários compatíveis com minhas ambições bibliográficas!) Só a parede do meu quarto, acima da minha cama, foi poupada por causa de um trauma antigo: a descoberta, faz muito tempo, da morte do compositor Charles-Valentin Alkan, apelidado de 'o Berlioz do piano', que foi encontrado em casa, no dia 30 de março de 1888, esmagado por sua biblioteca!", registra Bonnet ao lembrar o monstro que era sua coleção de livros tomando toda a casa.

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Nesse sentido de livros que falam sobre a devoção aos livros de forma leve e carismática, outra preciosidade é "O Anibaleitor", do português Rui Zink, publicado no Brasil pela Realejo. Na obra, um garoto chega a uma ilha e encontra um macaco fanático por literatura, um King Kong que ocupa boa parte das horas de seus dias lendo gente como Virginia Woolf, Proust, Tolstoi, Bocage… além de perder a paciência ao tentar encarar um Guimarães Rosa – entre uma leitura e outra, devora os humanos aparecem em seu território, o garoto é a exceção.

"O Anibaleitor" é tolinho em alguns momentos, caricato em outros, absurdo, sempre divertido e em parte alguma pedante, atingindo o tom ideal de uma obra que visa despertar em seu leitor justamente a curiosidade pela literatura. Nesse trecho, o macacão, que consegue ler em uma invejável quantidade de línguas, dá um exemplo justamente da importância de se persistir na leitura e com leituras específicas:

"- Não há grande mal em muitos livros serem só para entreter. Os piores são aqueles que não passam de hambúrgueres. Parecem saborosos, e são fáceis de consumir, mas é porque já vêm pré-mastigados. Lê-los dá-te o mesmo que ver uma série na televisão. Distraem, mas evaporam-se num ápice da memória e, quanto mais comes, mais ficas com uma sensação de vazio.

– Eu por acaso gosto de hambúrgueres.

– Eu sei, todos os garotos gostam.

– Não sou um garoto!

– O problema é que, não praticas, fica destreinado de usar os dentes e, quando te aparece bife suculento a sério, parece-te duro".

Por mais que hambúrguer seja ótimo, deve ser muito triste não ter capacidade de apreciar uma bela de uma fraldinha com gorgonzola ou um bife ancho mal passado, não é mesmo? Então, voltando à leitura, quando se cansar, dê um tempo, mas não deixe o hábito de lado. Só assim, com prática e certa insistência, que você aprenderá a apreciar boa parte dos melhores livros.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.