Hora de escolher bons livros para que a cabeça não entre em quarentena
Rodrigo Casarin
17/03/2020 10h18
A pandemia chegou e passaremos mais tempo em casa, essa é uma das poucas certezas que temos sobre as próximas semanas. É uma boa hora para tocar algumas daquelas leituras que sempre deixamos para depois.
Olho para a minha pilha da esquerda, a de prioridades. Será a vez do box de "História", do Heródoto (Nova Fonteira), obra fundamental para a própria noção de historiografia? Se a ideia for ler para escrever algo aqui pro blog, também precisarei avançar um pouco mais no "Assassin's Creed Odyssey", game no qual encontrei o próprio Heródoto como personagem. Só que se for mergulhar na leitura e voltar a passar horas com o controle em mãos, terei deixar pra lá a segunda temporada de "Narcos: México".
Pelo menos de cara, devo seguir acompanhando os cartéis mexicanos. Olho, então, para a pilha da direita. Ali que estão livros recém-lançados que eu adoraria ler, mas não faço ideia de quando terei tempo para tal. Horas a mais agora há; até o society de quinta e o futebol de campo de sábado devem ser cancelados. É a chance de sacar de lá "O Alegre Canto da Perdiz", da Paulina Chiziane (Dublinense), de finalmente ler o elogiadíssimo e premiado "Entre as Mãos", da Juliana Leite (Record), ou de apostar no fresquíssimo "Sistema Nervoso", da Lina Meruane (Todavia)?
Sei que é tarefa impossível zerar as pilhas. Não bastasse, outros livros ainda imploram por sua vez, dentre eles alguns clássicos. Julien Sorel está sentado aqui na minha mesa há algum tempo, esperando que eu retome "O Vermelho e o Negro", do Stendhal (Nova Fronteira). Também preciso voltar para a Europa do século 18 e me ambientar novamente naquele que "foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da razão, a idade da insensatez, a época da crença, a época da incredulidade, a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero". Dickens e seu "Um Conto de Duas Cidades" (Estação Liberdade) não merecia ser deixado de lado durante tantas semanas. Paciência, vida de jornalista que mistura obrigação e prazer tem dessas coisas.
Ou será hora de finalmente dar uma chance para os tijolos? "Moby Dick", do Herman Melville (Editora 34), sempre acena pedindo atenção. "Graça Infinita", do David Foster Wallace (Companhia das Letras), segue na mira, apesar do hype já ter passado há um bom tempo. Reler "Dom Quixote", do Cervantes? Espera, e se finalmente aproveitar esse tempo para mergulhar na obra completa de um só autor? Michel Houellebecq ou Alberto Mussa?
Não sei, não sei… Olho pra pilha da esquerda, olho pra pilha da direita, pra livros magérrimos, para tijolaços, clássicos, contemporâneos… Fico aqui como se tivesse passeando pelo catálogo da Netflix sem conseguir me decidir pelo que assistir. Sem me decidir pelo que ler, no caso. Se continuar nesse impasse, capaz que minha cabeça também entre em quarentena.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.