Clareza e didática contra o racismo: o pequeno manual de Djamila Ribeiro
Rodrigo Casarin
05/11/2019 08h10
"Este pequeno manual serve, assim, como um guia para adentrar debates complexos e com desdobramentos diversos. Esta leitura pretende refletir na tomada de atitudes antirracistas, sobretudo para quem busca uma postura ética em sua existência. Claro que há diferentes modos de percepção dos temas aqui tratados. Assim como ocorre com o movimento feminista, o movimento negro não é homogêneo e tem profundas discordâncias internas, portanto este manual está longe de querer esgotar qualquer assunto.
Pessoas brancas devem se responsabilizar criticamente pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras podem se conscientizar dos processos históricos para não reproduzi-los. Este livro é uma pequena contribuição para estimular o autoconhecimento e a construção de práticas antirracistas".
É desta forma que a filósofa Djamila Ribeiro, colunista da Folha de São Paulo e uma das vozes mais potentes do movimento negro no país, resume, já no final do volume, o seu novo livro: "Pequeno Manual Antirracista", que chega às livrarias nesta semana pela Companhia das Letras. Apesar de realmente pequeno – quase um pocket, 136 páginas, leitura que pode perfeitamente ser feita numa sentada… –, a obra, graças à síntese, à clareza e ao didatismo, tem bom potencial para bagunçar a cabeça e abrir os olhos dos racistas ao nosso redor – desde que se disponham a lê-la, claro. E não apenas isso. Também faz com que mesmo o leitor pretensamente livre de preconceitos repense suas atitudes frente ao problema. E se você estiver revirando os olhos e pensando "lá vem essa chateação de novo", já deixo aqui uma frase da autora: "Se disserem que ser antirracista é ser 'o chato', tudo bem. Precisamos continuar lutando".
Inspirado por "How To Be an Antiracist", livro do historiador Ibram X. Kendi publicado em agosto nos Estados Unidos, "Pequeno Manual Antirracista" se divide em onze capítulos cujos títulos explicitam o caminho sugerido para que nos atentemos, de verdade, às questões raciais. Começamos por "Informe-se sobre o racismo", "Enxergue a negritude", "Reconheça os privilégios da branquitude" e "Perceba o racismo internalizado em você". Passamos pela importância de se apoiar politicas educacionais afirmativas, de transformar o ambiente de trabalho, de ler autores negros, questionar a cultura que consumimos e conhecer nossos desejos e afetos. Finalmente, chegamos em "Combata a violência racial" e "Sejamos todos antirracistas".
Se vivemos numa sociedade em que vira e mexe encontramos alguém que afirma não ser racista utilizando argumentos toscos ("até tenho uma funcionária negra", "já sai com rapazes negros"…), importante ressaltar a paciência de Djamila ao explicar como o problema racial no Brasil não é algo apenas pontual, pessoal, e sim estrutural. "É fundamental trazer a perspectiva histórica e começar pela relação entre escravidão e racismo, mapeando suas consequências. Deve-se pensar como esse sistema vem beneficiando economicamente por toda a história a população branca, ao passo que a negra, tratada como mercadoria, não teve acesso a direitos básicos e à distribuição de riquezas", escreve, demonstrando com exemplos como isso impacta no cotidiano e sugerindo:
"Nunca entre numa discussão sobre racismo dizendo 'mas eu não sou racista'. O que está em questão não é um posicionamento moral, individual, mas um problema estrutural. A questão é: o que você está fazendo ativamente para combater o racismo? Mesmo que uma pessoa pudesse se afirmar como não racista (o que é difícil, ou mesmo impossível, já que se trata de uma estrutura social enraizada), isso não seria suficiente — a inação contribui para perpetuar a opressão".
Pensar na questão, questionar-se, indagar o que parece natural – ou nos é empurrado goela abaixo como algo natural –, falar sobre o racismo, não titubear em apontá-lo, constatar que a branquitude também é um traço identitário, atentar-se para a importância da representatividade, respeitar – ou seja, não se apropriar e banalizar – símbolos de culturas historicamente subjugadas… Todos esses elementos são tratados por Djamila como vias para combater esse racismo estrutural.
Por fim, uma frase específica abraçou um ponto sobre a qual venho refletindo muito: "Não é realista esperar que um grupo racial domine toda a produção do saber e seja a única referência estética". Tem tudo a ver com a constante necessidade de não apenas confrontarmos o que é tido como canônico – e aqui me refiro especificamente à literatura –, mas procurarmos resgatar e construir linhas que representem culturas e tenham propostas estéticas diferentes daquelas habitualmente estabelecidas. Quantos grandes autores não se perderam ao longo da história porque a África estava sendo pilhada e massacrada pelos europeus, com sua produção intelectual desprezada ou destruída? E na história da nossa própria literatura, como isso se reflete? Nesse sentido, Djamila vai bem ao se debruçar principalmente sobre escritores negros para embasar "Pequeno Manual Antirracista".
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.