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O que faria se seu filho fosse preso? Ele deu apoio e escreveu um livro

Rodrigo Casarin

09/10/2019 08h27

"Arthur é meu marido, com quem sou casado desde 2008. Além disso, também somos sócios numa empresa de publicidade. Decidimos morar juntos e tentar a vida em São Paulo, deixando para trás nossos estados natais: eu, Minas Gerais, ele, Santa Catarina.

Já fora do carro, Arthur atendeu, não dava para ouvir, mas a cara dele não era nada boa. Bucha. Nem entrou no banco, voltou correndo pro carro.

– Gael foi preso.

'Puta que pariu!'

– Como assim, preso? Onde?

– A caminho de Minas, na divisa entre São Paulo e Rio, em Itatiaia. Pararam o ônibus dele para uma blitz e encontraram droga na mochila. Perguntaram de quem era e ele 'abriu o bico' pra dizer que era tudo dele.

– Tudo?! Quanto?

– Sei lá, pelo que entendi tinha um tijolo de maconha prensada. Isso deve pesar o quê? Meio quilo?

– Meio quilo?!

– Pois é.

– Puta que pariu!

– Pois é".

Dessa forma que Wagner Fontoura recebeu a notícia que mudaria sua vida. Por meio das palavras de seu companheiro, soube que o filho estava preso. A cena acima está no livro "O Cozinheiro de Bangu", que Wagner acaba de lançar pela Nau Editora. Apesar de se tratar de um romance de forte cunho autobiográfico, o autor garante que esse momento decisivo foi transposto para a literatura da mesma forma que aconteceu na vida real, apenas os nomes foram alterados.

A prisão do rapaz aconteceu na madrugada do dia 13 para 14 de junho de 2013 e, como é possível perceber, pegou a todos de surpresa. "Sem ter a menor ideia de como lidar com a situação, a família passou um final de semana inteiro andando em círculos, até que ele foi transferido da delegacia de Itatiaia para uma casa de custódia em Volta Redonda e, posteriormente, para outra no Complexo de Gericinó, em Bangu. Tudo era muito custoso para a família, porque não há informações disponíveis em lugar nenhum sobre como lidar com uma situação dessas. E esta foi uma das primeiras motivações para a escrita do livro", conta Wagner num papo que batemos por trocas de mensagens.

Apesar do duro golpe inicial, a notícia da prisão não seria a pior parte da história. Tentativas frustradas de audiência foram difíceis de assimilar. "Na primeira delas, a dor dilacerante de ver pela primeira vez o filho chegar algemado, escoltado por agentes fortemente armados, como se fosse um bandido de alta periculosidade. Ao final da qual, por falta de uma das testemunhas de acusação, a audiência foi suspensa por tempo indeterminado", recorda. "Na segunda, o carro que o conduziria até o fórum de Itatiaia simplesmente não o pegou em Bangu, sem nenhuma justificativa apresentada", complementa, lembrando que o processo que deveria ser resolvido em poucas semanas se arrastou por quase um ano.

Cada vez que Wagner visitava o filho na prisão, aproximava-se mais da família de outros presidiários. Sabendo que aquela era uma nova parte de seu cotidiano, fez amizades com outras pessoas que viviam ou orbitavam a cadeia e passou a curtir os momentos junto com o filho. "Meu filho e eu passamos a encarar os dias de visita como dias de festa, porque nos veríamos, falaríamos das nossas rotinas, dos acontecimentos da semana, almoçaríamos juntos as comidinhas gostosas que eu preparava para aqueles eventos tão especiais que eram os nossos encontros às quintas-feiras. Eram dias felizes, acredite. Os mais felizes das nossas semanas. Recarregávamos as nossas energias, aliviávamos os nossos corações, descarregávamos as nossas angústias".

"O Cozinheiro de Bangu" marca a estreia de Wagner, publicitário de 51 anos, na literatura. Na obra, seu alter ego recebe o nome de José, executivo de meia-idade que busca reerguer a vida pessoal e profissional na cidade de São Paulo junto de seu atual companheiro quando recebe a notícia de que seu filho mais novo acaba de ser preso. A escrita da obra nasceu primeiro como um diário que o autor construiu enquanto seu mundo virava de cabeça para baixo – não bastasse a prisão do rebento, Wagner ainda estava intrincado numa complexa operação empresarial. Depois, convencido de que aqueles registros poderiam tocar também em questões importantes para outras pessoas, o autor decidiu transformar a vivência num romance.

"O formato de ficção me daria mais liberdade de expressão e até mais prazer na (re)escrita daquela história. Poder trazer à tona versões factuais de tudo o que aconteceu mescladas com o desenvolvimento de grandes trechos ficcionais deu mais corpo à obra, deixando-a mais interessante ao leitor, mais fluida; ainda densa, só que menos pesada", confia o autor. Além disso, "poupou pessoas cujas histórias não me pertencem e deu margem à criação de personagens ricos que não existiram de fato mas que abrilhantaram o resultado final do livro. Trouxe mistério, aventura, leveza, comicidade em alguns momentos, ainda mais emoção em outros".

Inevitável, Wagner refletiu muito ao longo de todo o processo que viveu junto com o filho. É favorável à descriminalização do uso da maconha no Brasil e entende que a sociedade deveria ter uma discussão realmente séria sobre as o uso e o comércio de drogas hoje ilícitas no país. Também crê que o cárcere deve ser combatido com educação. "O encarceramento só é concebível por quem nunca viveu este tipo de experiência. É desumano. Ponto. Sei que um dia ainda nos horrorizaremos por praticamente restringir a isto o nosso sistema penal. Falar de educação como remédio pode parecer raso, clichê, mas acredito mesmo nisto".

Depois de oito meses de processo, o rapaz foi condenado a pouco mais de três anos em regime semiaberto. Como a notificação da sentença levou anos para sair, ainda cumpre a pena. Lembrando do que viu, Wagner diz que "ninguém está pronto para enfrentar o perrengue que é ir parar numa cadeia, muito menos numa cadeia com a fama das de Bangu". Afirma também ter saído com diversos aprendizados: "Desde como lidar e sobreviver a este tipo de situação até o entendimento de que aquele é um lugar povoado por gente comum, predominantemente pobre, claro, mas com suscetibilidades e sentimentos comuns aos de qualquer pessoa, independente de raça, gênero, status social…".

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.