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Pense bem antes de ser mãe, talvez você não queira de verdade ter um filho

Rodrigo Casarin

10/05/2019 10h57

Sheila Heti.

Você quer ter um filho? Mas você quer mesmo ter um filho? Tem certeza de que você deseja atrelar o resto de sua vida (ou boa parte do resto de sua vida) a um ser primeiro indefeso e depois cheio de nuances que poderão te desagradar? Esse ser ainda não existe, então não há problema algum se ele continuar não existindo. Agora, o contrário não é possível. A partir do momento em que ele estiver no mundo, o prejuízo será muito maior se você se arrepender de ter gerado a cria – e, pode ter certeza, isso acontece com uma frequência considerável, ainda que não seja um sentimento comumente externado, como mostrou a socióloga israelense Orna Donath em "Mães Arrependidas" (Civilização Brasileira).

Mas repito a pergunta: você quer mesmo ser mãe? Tem certeza de que essa é um sentimento genuíno? Que esse vontade não é fruto da encheção de saco da família, das amigas, da igreja ou de qualquer outra pessoa, instituição, entidade ou seja lá o que for que curta se intrometer na vida dos outros? Tem certeza de que o desejo de procriar é seu mesmo, não algo extrínseco, não uma mera e bovina sequência da vida que a sociedade espera – e cobra – de você?

Não precisa me responder, mas pense nessas perguntas e chegue à própria conclusão. Para suscitar indagações como essas o livro "Maternidade" (Companhia das Letras), da canadense Sheila Heti, uma das convidadas da Flip deste ano, cai muito bem. Na obra, uma mistura de romance biográfico com ensaio, acompanhamos uma escritora que se aproxima dos 40 anos e que se questiona qual é o seu real desejo: ser ou não ser mãe?

Se optar pelo sim, terá a experiência com o rebento, mas jamais saberá como seria levar a vida sem carregar essa responsabilidade. Se optar pelo não, o óbvio contrário: a experiência da maternidade permanecerá inédita tanto quanto sua liberdade permanecerá intocada. É preciso que escolha qual caminho seguir e qual abrir mão antes que as limitações biológicas imponham suas próprias condições. "Se eu quero ou não ter filhos é um segredo que escondo de mim mesma", reflete a personagem. "É o maior de todos os segredos que escondo de mim mesma", conclui.

"Será que eu quero filhos porque quero ser admirada como o tipo admirável de mulher que tem filhos? Ou porque quero ser vista como uma mulher normal, ou porque eu quero ser uma mulher do melhor tipo, aquela que não tem só o trabalho, mas tem também o desejo e a capacidade de cuidar, tem um corpo que pode produzir bebês e ainda é uma pessoa com quem outra pessoa quer fazer um bebê? Será que eu quero ter um filho para me apresentar como o tipo (normal) de mulher que quer, e por fim tem, um filho?", bombardeia-se em outro momento.

Enquanto a pressão pela maternidade vai crescendo e dominando a mente da personagem, outros questionamentos vem à tona: seria a reprodução uma espécie de boicote que frearia o momento de ascensão profissional e maturidade pessoal? Encarada por muitos como um "fracasso biológico", seria a impossibilidade de ter filhos – ou a deliberada escolha por não tê-los – a "vanguarda da modernidade"? E o aborto, por que ainda é encarado com tanto temor?

"Quando penso em todas as pessoas que querem proibir o aborto, isso parece significar apenas uma coisa: não é que eles queiram uma nova pessoa no mundo, o que eles querem é que aquela mulher tenha o trabalho de criar um filho, mais do que querem que ela faça qualquer outra coisa. Há algo de ameaçador em uma mulher que não está ocupada com os filhos. Uma mulher assim provoca certa inquietação".

Como é possível perceber, são muitos os elementos que Sheila Heti tinha em mãos para tecer uma grande história. Não é o que acontece. Debatendo-se com a questão central de seu conflito durante anos, a protagonista trabalha na escrita de um livro que serve essencialmente para postergar a sua decisão sobre a maternidade. Vivendo um relacionamento estável, conversando – e sendo pressionada – por amigas e colegas, recordando do passado com os pais e confiando até numa adaptação do I Ching – o que rende momentos especialmente modorrentos , o que temos são 300 páginas de uma mulher em conflito com a mesma questão. Sim, o arrastar da dúvida, com o acréscimo paulatino de novos elementos ao debate, faz parte da construção da confusão da personagem, mas acaba por deixar o livro um tanto cansativo – uma protagonista escritora (mais uma protagonista escritora!) e a opção pela verve ensaística, nesse caso, também contribuem para isso.

"Maternidade" é um livro mais útil e necessário do que exatamente bom. Fica aquém do que se pretende enquanto literatura, acaba perdido entre a ficção e o ensaio, mas, como provocação, traz uma contribuição importante para discussões sobre o tema que dá título à obra e, por extensão, sobre o feminismo. Porque, como a autora já chegou a dizer em entrevistas, não ter filhos ainda soa como uma escolha bastante corajosa para uma mulher. Mulher esta que sempre será indagada pelos motivos de não querer um rebento, enquanto aquelas que optam por engravidar jamais são inquiridas sobre as razões de sua escolha.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.