Manifesto Comunista em HQ é nova chance para você finalmente conhecer Marx
Rodrigo Casarin
09/04/2019 10h59
Publicado em 1848, demorou para que "O Manifesto Comunista", de Friedrich Engels e Karl Marx, começasse a ganhar importância. Encomendado um ano antes pelo grupo socialista Liga dos Justos, passou tempos sem ser levado muito a sério, até que mais de duas décadas depois, em 1871, o interesse pelo texto explodiu após a barbárie da Comuna de Paris, dizimada de forma sanguinolenta pelas autoridades francesas – falei sobre ela aqui. Praticamente ao mesmo tempo, o livro começava a fazer barulho na Alemanha, onde, em uma nova edição, Marx e Engels o apontavam como um documento histórico. Daí em diante, a relevância de "O Manifesto Comunista" para os caminhos do mundo apenas cresceria, confirmando a aposta de seus autores.
"Quando Marx morreu, em março de 1883, Engels disse às outras dez pessoas que foram ao funeral que 'seu nome e obra atravessarão os séculos'. Mas duvido que mesmo Engels poderia imaginar que as gerações seguintes já veriam metade da humanidade sendo governada supostamente de acordo com as ideias e aspirações expostas no 'Manifesto Comunista'. Nem que pelo menos um quinto da humanidade no século 21, para o bem ou para o mal, seguiria assim", escreve o inglês Martin Rowson no prefácio de sua adaptação de "Manifesto Comunista" para quadrinhos que acaba de sair no Brasil pela Veneta.
Também romancista e ensaísta, Rowson colabora com seus cartuns para veículos como Guardian, Independence e Times. Conforme registra na transposição que assina da obra do filósofo alemão, "ainda que pequeno e escrito às pressas, o 'Manifesto' sintetiza a cornucópia de ideias que estavam sendo gestadas e filtradas pelo pensamento de Marx há anos, refinadas e articuladas com Engels em meio a longas noites etílicas". Num momento em que termos como marxista, socialista e comunista viraram ofensas para parte da população brasileira, vem muito bem a calhar uma adaptação tão forte, caprichada e acessível a essas ideias de Marx, ainda que editadas pelo prisma crítico de Rowson.
Apesar de algumas das convicções do filósofo alemão terem ficado datadas – o que é natural –, o foco principal de seu trabalho não apenas influenciou a história do século 20, mas segue imprescindível nos nossos dias. A luta de classes, a exploração dos trabalhadores e a maneira como estes são vistos – meras mercadorias ou peças para que as engrenagens da economia girem – ganham ainda mais força com os potentes, duros, sarcásticos e provocadores desenhos de Rowson. Em dias de desemprego nas alturas, extirpação dos direitos trabalhistas, arrocho geral para que, supostamente, números e cifras "voltem a crescer" e fortalecimento do nacionalismo (e o consequente aumento da xenofobia), conhecer minimamente Marx é fundamental, mesmo que seja para discordar do pensador.
"Como sabemos, a história – até agora, pelo menos – não se desenvolveu como Marx esperava ou profetizava. Mas não é culpa dele que, na maioria das revoluções, os aríetes apontados contra as fortalezas da elite tenham se envergado, acabando por servir de escoras a muralhas de novas elites, mais sedentas de vingança", escreve Rowson antes de elencar algumas correntes que surgiram a partir de leituras muitas vezes equivocadas – ou claramente deturpadas – da obra do alemão. "Nem os marxistas são também totalmente culpa de Marx", acredita o autor, que faz uma ponderação certeira no final do texto introdutório: "Quando hoje, depois de 170 anos do 'Manifesto Comunista' ter sido escrito, 43 indivíduos possuem tanta riqueza quanto a metade da nossa espécie, Marx certamente ainda tem muito a dizer".
Um espectro assombra a Europa…
Veja algumas páginas de "Manifesto Comunista em Quadrinhos":
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.