Leitor apaixonado, ele levou ao cordel quase 100 clássicos da literatura
Rodrigo Casarin
03/08/2018 15h29
"Depois de feito o balanço,
Depois de tudo somado,
Pode parecer a todos
Que foi nulo o resultado,
Que, de forma resumida,
Eu saí quite com a vida,
Ficando tudo empatado.
Mas após analisar
Com vagar essa matéria,
Encontrei pequeno saldo,
Que eu aponto, sem pilhéria:
Sem nenhum filho gerado,
Não transmiti o legado
Da nossa grande miséria".
É esse o antológico final de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", um dos colossos de Machado de Assis, na versão em cordel assinada por Stélio Torquato. Doutor em letras pela Universidade Federal da Paraíba e professor de literatura africana na Universidade Federal do Ceará, há dez anos Stélio começou a transformar em cordel diversos clássicos da literatura e hoje, conta, já assina a adaptação de quase 100 títulos que vão desde "Odisseia", de Homero, passando por uma coleção focada em Shakespeare até "A Revolução dos Bichos", de George Orwell.
Stélio encontrou no cordel um meio para aproximar alunos e demais leitores desses clássicos que tanto ama. "Há tanto respeito por esses livros que às vezes falta chance para amá-los. Há mais temor do que paixão quando a pessoa se depara com um clássico. Alguns ficam com medo diante do calhamaço que é 'Dom Quixote', por exemplo. Eu queria que eles lessem os cordéis e depois fossem se deliciar com a própria obra", disse no papo que batemos há pouco na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, onde expõe e vende seu trabalho – há livretos a partir de R$5,00 – no Espaço Cordel e Repente.
Segundo o cordelista e professor, a iniciativa deu resultado. Percebeu que muitos leitores passaram a mergulhar nos clássicos em si após conhecerem a versão em cordel. "Procuro seguir ao máximo o original, busco reter seu espírito, mas a leitura da minha obra é uma antessala, jamais substitui o clássico".
Foi por "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, que Stélio iniciou esse trabalho – o Cavaleiro da Triste Figura é o maior herói literário do professor. Dentre os seus best-sellers estão versões de "A Bela e a Fera", de Elizabeth Rudnick, "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, "O Quinze", de Rachel de Queiroz, e o próprio "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Seu maior feito, no entanto, talvez tenha sido a versão para "E o Vento Levou", de Margaret Mitchell, que exigiu mais de quatro anos de trabalho e resultou numa obra com mais de 7 mil versos – garante ser o maior cordel do mundo.
E qual é o critério que Stélio usa para transformar os clássicos em cordel? A resposta é de um apaixonado pela literatura: "Jamais me dedico a livros que nunca amei".
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.