Uma mulher pode amar seu filho e ao mesmo tempo se arrepender de ser mãe?
Rodrigo Casarin
13/12/2017 10h02
"Quando tentei contar às minhas amigas, fui imediatamente silenciada. 'Como pode dizer isso? Você deveria ser grata pelo que tem.' Que golpe, pensei comigo mesma. Fique quieta, murmurei, ou eles vão hospitalizá-la. Aceite e continue a viver essa felicidade fictícia, use uma máscara, como todo mundo, e continue com o jogo. É muito provável que algumas delas, se não todas, estejam passando pelas mesmas coisas, mas não tenham coragem de dizer".
Foi essa a reação com a qual se deparou Brenda, mãe de três filhos com idades entre 20 e 25 anos, ao contar para pessoas próximas sobre os sentimentos que nutria a respeito de suas crias. Brenda é uma das personagens de "Mães Arrependidas" (Civilização Brasileira), livro que nasce de um estudo da antropóloga e socióloga israelense Orna Donath. A autora entrevistou diversas mulheres que, no geral, amam seus filhos, fazem de tudo para lhes prover o melhor, mas, na intimidade, em seu sentimento mais puro, aquele muitas vezes difícil de externar, sentem-se arrependidas da maternidade. Se elas pudessem voltar no tempo, optariam por não ser mães.
Sim, o assunto é um tabu. O comum é ouvirmos um "você vai se arrepender" ou "ainda é jovem, mudará de ideia" quando uma mulher diz que não quer ter filhos, mas jamais o contrário, jamais um "não tenha filhos, você se arrependerá". Só que Orna conseguiu achar algumas dessas raras moças que admitem lamentar ter dado à luz. Nas conversas, percebe que muitas delas engravidaram sem ter convicção ou real desejo de se tornarem mães, quase sempre sucumbindo à pressão social que toda mulher sofre para que um dia seja mãe, como se estivessem no mundo necessariamente para parir.
"Essa sentença definitiva ['você se arrependerá de não ter filhos'] me inquietava. As ideias se atropelavam em minha mente. Era difícil, para mim, aceitar a determinação dicotômica que estabelece de forma contundente o arrependimento em relação à decisão de não ter filhos como uma arma com a qual ameaçar as mulheres, ao mesmo tempo que qualquer possibilidade de pensar no arrependimento depois de dar à luz e desejar voltar à condição de não ser mãe de ninguém é simplesmente ignorada", escreve Orna na introdução da obra, explicando o que lhe motivou a tocar o estudo.
"Mães Arrependidas" é valioso justamente por ir na direção completamente oposta do senso comum – até o conceito de instinto materno é colocado em xeque. O melhor da obra são os depoimentos colhidos pela autora, pesquisadora na Ben-Gurion University de Negev, em Israel. Sempre sob o resguardo do anonimato – os nomes utilizados, como o de Brenda, são fictícios -, mães lhe revelaram suas angústias, dúvidas e lamentações. Veja algumas delas:
Pressão
Tive meu filho com 24 anos, e foi horrível, e foi assim que aconteceu. Em uma sociedade religiosa, as pessoas se casam e têm filhos… é uma espécie de caminho que todo mundo toma, mas eu nunca tinha pensado nisso. [Longa pausa.] Foi apenas uma por pressão social. Porque todo mundo faz. Todo mundo tem filhos no mundo religioso. Então eu fiz o mesmo, sem pensar – Charlitte, mãe de dois filhos, um com idade entre 10 e 15 anos e outro, entre 15 e 20 anos.
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Eu não achava que aquilo era o que eu deveria fazer. Quer dizer, eu também não queria o segundo. Quando descobri que ia ter gêmeos, fiquei desnorteada. Foi uma sensação horrível, de estupro. Estupro puro e simples. Estupro. E eu deixei esse estupro acontecer – Doreen, mãe de três filhos com idades entre 5 e 10 anos, que, mesmo não querendo ter rebentos, cedeu à pressão do parceiro.
Sem dúvida, sou uma mãe realmente incrível, realmente sou uma boa mãe. Fico constrangida de dizer isso. Quer dizer, meus filhos são importantes para mim, eu os amo, leio livros, procuro ajuda profissional, tento fazer tudo que posso para dar a eles uma educação melhor, além de muito amor e afeto. […] Mas ainda assim odeio ser mãe. Odeio. Odeio esse papel, odeio ser a pessoa que tem que estabelecer limites, a pessoa que tem que castigar. Odeio a falta de liberdade, a falta de espontaneidade. As restrições que me impõe, o fato de ser assim – Sophia, mãe de dois filhos com idades entre 1 e 5 anos.
Teatro
Eu faço coisas. Eu ligo, me preocupo, fico angustiada, é claro, pergunto, me interesso, visito, convido eles para passarem os feriados comigo e faço toda essa encenação de família, todo esse teatro – mas não é real, eu não me identifico com isso. Visito meus netos, tenho um relacionamento com eles, mas não é algo que me interesse realmente. Não sou eu de verdade. O tempo todo eu penso: quando isso tudo vai acabar para eu poder ir para a cama e ler um livro, ver um bom filme, ouvir um programa de rádio? Essas coisas me interessam mais, me agradam mais, têm mais a ver comigo. Cuidar do jardim, tirar as folhas do quinta… Isso me agrada mais. Até hoje – Tirtza, mão de dois filhos com idades entre 30 e 40 anos e avó.
Minha filha, quando quer vir até minha casa, liga e vem, e eu respondo sempre animada: "Que ótimo, estou morrendo de saudade e mal posso esperar para vê-la", mas não é verdade… Eu tento manter as aparências, mas não é verdade. Nem sequer consigo fingir – Sky, mãe de três filhos, dois com idades entre 15 e 20 anos e um com idade entre 20 e 25 anos.
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Eu faço o que determinam as normas… Por exemplo, toda semana eles vêm à minha casa e eu preparo o jantar, dou presentes nos aniversários, cuido dos meus netos de vez em quando… Faço o que determinam as normas porque sou uma pessoa normativa. Se é isso o que todas as avós fazem, então também faço a minha parte. Mas não sinto que tenho uma necessidade imperiosa. Minha necessidade de cumprir as normas e mais forte do que minha necessidade de ser avó, mãe e tudo mais – Naomi, mãe de dois filhos com idades entre 40 e 45 anos e avó.
Arrependimento
Era difícil dizer que ter filhos foi um erro… que no fim das contas é apenas um grande fardo para mim. Levei muito tempo para conseguir dizer essas palavras. Eu pensava: nossa, se disser algo assim, as pessoas vão achar que fiquei louca. […] Se eu pudesse voltar atrás, tenho certeza de que não traria nenhuma criança ao mundo. Isso está absolutamente claro para mim – Sky.
Eu não teria filhos, ponto final, não tenho dúvida. […] Sempre digo que cometi três erros fatais na minha vida: o primeiro foi escolher meu ex-parceiro, o segundo foi ter filhos com ele, e o terceiro, simplesmente ter filhos – Sisie, mãe de duas filhas com idades entre 15 e 20 anos.
É difícil, para mim, dizer isto, porque eu os amo. Muito. Mas abriria mão de tê-los… Durante muito tempo, me tratei com um psicólogo. E é curioso. Se tem uma coisa com a qual me sinto profundamente à vontade é isto. Os sentimentos. O processo de me tornar mãe não é confortável para mim, mas me sinto completamente à vontade com o que estou dizendo. E com a dicotomia de pensar, bem, tenho filhos e os amo, mas estaria disposta a renunciar a eles. Então, respondendo a sua pergunta, se eu pudesse fazer uma escolha diferente, eu faria – Doreen.
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Sobre o autor
Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.
Sobre o blog
O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.