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“Sei que tem gente afiando as facas”, diz tradutora sobre a hercúlea tarefa de levar Guimarães Rosa para o inglês

Rodrigo Casarin

27/07/2017 11h03

"Tenho muitos momentos de medo absoluto".

Quando começou a empreitada, Alison Entrekin sabia que estava diante de um trabalho longo e árduo, cuja jornada teria um tom que se aproximaria de qualquer grande épico e que o resultado fatalmente estaria sujeito a diversos tipos de crítica. Sua tradução para o inglês de "Grande Sertão: Veredas", clássico de Guimarães Rosa e um dos livros mais importantes da literatura em língua portuguesa, ainda está nas primeiras páginas, mas a tradutora já tem plena consciência do que o futuro pode lhe reservar. "Minha responsabilidade é muito grande, deve ter muita gente afiando as facas".

As facas, claro, poderão vir daqueles que considerarem que seu trabalho ficou aquém do monumento de Rosa. No entanto, como passar para uma língua que não o português uma escrita extremamente inventiva e ousada, que reproduz muito do que se ouve nos rincões do país, especialmente de Minas Gerais? Como não tirar as cores locais de personagens como Riobaldo e Diadorim? Como traduzir para o inglês o famoso "Nonada", palavra que abre a narrativa, ou trechos como "Medo. Medo que maneia. Em esquina que me veio. Bananeira dá em vento de todo lado. Homem? É coisa que treme"?

"Não existe o sotaque do sertão em outras línguas, mas é preciso tentar reproduzi-lo, recriá-lo. Terei que fazer isso do zero", aposta. Nesta sexta, às 11h, Alison participará da mesa "Que o mar unisse, já não separasse", na Casa da Cultura de Paraty, em programação paralela à Flip promovida pela Revista da Pessoa em parceria com o Museu da Língua Portuguesa.

Essa não é a primeira vez que "Grande Sertão: Veredas" é vertido para o inglês. Em 1963 foi publicada uma versão do clássico assinada por James Taylor e Harriet de Onis. No entanto, aponta, aquele trabalho tem seus problemas. "A teoria da época era diferente, fizeram com outra abordagem, focando basicamente na história, sem nem ao menos tentar reproduzir os recursos linguísticos, as falas dos personagens. Dessa forma, o livro perde toda a alquimia, tira o aspecto cultural que ele retrata. Ficou parecendo uma história que se passa no sul dos Estados Unidos, por exemplo".

Encantada na segunda primeira impressão

Australiana radicada no Brasil há duas décadas, Alison tentou ler o clássico de Rosa quando estava em seus primeiros anos no país, mas notou que seu domínio da língua ainda não era suficiente para a empreitada. "Com o português que eu tinha, simplesmente não dava". Retomou a tentativa da leitura em 2014, já visando a tradução, e desta vez ficou encantada. "Poucos livros me fisgaram do jeito que ele me fisgou nessa segunda primeira impressão", brinca.

Alison é a responsável por levar para o inglês autores importantes de nosso tempo, como Cristovão Tezza, Chico Buarque e Paulo Lins – o trabalho com "Cidade de Deus", aliás, também foi cheio de particularidades. O desafio de traduzir "Grande Sertão: Veredas" começou muito antes do que o trabalho com as palavras em si. "Não achava que conseguiria viabilizar financeiramente a tradução. Não dava para ser por meio das editoras, como normalmente acontece, porque é um trabalho dez, 20 vezes mais difícil e demorado do que traduções de outros livros".

Passou dois anos buscando quem pudesse, então, financiar a empreitada. Ao cabo, conseguiu apoio do Itaú Cultural – que abraçou o projeto mesmo sem o respaldo de isenção fiscal de alguma lei de incentivo, algo nem tão comum de se ver.

Viajei a Paraty a convite da EDP Brasil.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.